Frei Rufin (primeira página)

Capítulo IV: Conversão e reconciliação - pureza do coração

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Le bon pasteurA parabola da ovelha perdida permitir-nos-á entrar no que chamamos a misericórdia divina. Permitir-nos-á também descobrir quais as virtudes a praticar mais precisamente para permanecer em estado de graça. Depois, novos episódios da vida de Francisco permitirão não só conhecê-lo melhor, mas também descobrir o que ele entende por beatitude: bem-aventurados os limpos de coração, porque verão Deus. Para terminar, a leitura e os comentários dos artigo 7 e 12 da nossa regra permitir-nos-ão descobrir e aprofundir o que o Cristo qualifica de bem mais precisoso : a nossa alma.

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EU APASCENTAREI AS MINHAS OVELHAS

A imagem do «rei pastor» é frequentement encontrada na Bíblia * Por exemplo em Ezequiel 34 de quem é extrato o título desta primeira parte de capítulo (34 11). Em Jeremias, nos capítulos 2, 3 10, 23, em Zacarias 11, Salmos 23 et 80, .... Lembremo-nos que as imagens utilizadas pelo Senhor, para se revelar junto dos homens, são muitas vezes imagens do dia a dia das pessoas mais comuns. Entendemos assim facilmente que o processo permite uma melhor compreensão dos auditores. O povo hebreu era um povo de nômade em que os rebanhos integram a vida de cada um. Encontramos muitas vezes comparações entre a vida de Deus e a vida dum rebanho levado por um pastor. Jesus utilizará também esta imagem, nomeadamente na parabola da ovelha perdida contada por São Mateus (Mt 18 12-14) e São Lucas (Lc 15 3-7). Nos seus Evangelhos, o título do trecho difere, mesmo que se trate da mesma parabola. No primeiro dos Evangelistas, a parabola intitula-se «A ovelha extraviada» e «A ovelha perdida » no segundo * Os dois termos são utilizados no mesmo trecho de Ezequiel na sua profecia contra os pastores de Israel: «Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas» Ez 34 4.. Esta diferença salienta a misericórdia de Deus em todos os casos que se possam apresentar. A Sua misericórdia não tem qualquer limite. A ovelha extraviada é aquela que deixou o bom caminho mas que pode afinal encontrá-lo após um pequeno esforço. Basta uma boa carta e uma bússola para o encontrar. A ovelha perdida, ela, está verdadeiramente perdida, tanto para ela como para os outros. Diríamos que é irrecuperável. Para os dois tipos de ovelha, que sejam extravaidas ou perdidas, a missão do Cristo redentor, Salvador da humanidade, cumpre-se sem medida. Mas basta de conversas, provemos mas é esta magnífica parábola * Segundo Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italie, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volume 4, cap. 94, p. 43 a 46 (trechos)..

Parábola da ovelha perdida

Jesus dirige-se à multidão. Instalado à beira dum torrente arborizado, fala a uma multidão numerosa espalhada num campo de trigo cortado e que apresenta o aspeto desolador do colmo queimado pelo sol. É à noite. O crepúsculo desce, mas já a lua está subindo. Uma bela e clara noitada do início do Verão. Rebanhos voltam para o curral e o toque dos chocalhos junta-se ao canto dos grilos ou das cigarras.

Jesus usa a comparação com os rebanhos que passam. Diz: «O vosso Pai é um pastor atento. Que faz o bom pastor? Procura bons pastos para as suas ovelhas, onde não há nem cicuta nem plantas perigosas, mas trevos agradáveis, ervas aromáticas e chicórias amargas mas saudáveis. Procura um lugar onde se encontram simultaneamente comida, frescura, um rioacho de água limpa, árvores que dêem sombra, um lugar onde não haja áspides no meio da verdura. Não se preocupa em encontrar pastos mais verdes porque sabe que escondem facilmente cobras à espreita e ervas nocivas mas dá alguma preferência aos pastos de montanha onde o orvalho torna a erva mais pura e mais fresca, mas aliviadas dos répteis pelo sol, onde pode encontrat uma ar puro mexido pelo vento, leve e são, ao contrário do ar da planície. O bom pastor observa as suas ovelhas uma por uma. Trata-as se estiverem doentes, cura-as se estiverem feridas. Aquela que se tornaria doente por glotunaria, levanta a voz. Áquela que ficaria doente ao ficar num lugar demasiado húmido ou demasiado exposto ao sol, diz-lhe para ir para outro sítio. Se estiver enfastiada, procura-lhe ervas aciduladas e aromática capazes de estimular o seu apetite e apresenta-lhe na sua mão falando-lhe como a uma pessoa amiga.

É assim que se comporta o bom Pai que está no Céu com os seus filhos que erram na terra. O seu amor é a verga que os reúne. A sua voz guia-os. Os pastos são a sua Lei. Seu curral, o Céu.

Ora, uma ovelha deixa o rebanho. Como a amava! Era jovem, pura, cândida, como uma nuvem leve num céu de Abril. O pastor olhava para ela com tanto amor pensando a todo o bem que lhe podia fazer e a todo o amor que podia receber dela. E ela abandona-o

Um tentador passou no caminho que borda o pasto . Não usa nenhum casaco austero, mas um traje com mil cores. Não usa cinturão de pele com a machada e a faca penduradas, mas um cinturão de ouro onde estão penduradas campainhas com um toque argentino, melodioso como a voz dum roxinol, e frascos de essências embriagantes... Não possui o sino com que o bom pastor reúne e defende as ovelhas e que, se o sino não for suficiente, está pronto para as defender com a sua machada ou a sua faca, mesmo pondo a sua vida em risco. Mas este tentador que pôs as mãos num incensório brilhante de pedras preciosas donde se escapa um fumo mal cheiroso, que atordoa como deslumbram as facetas das jóias, mas quanta falsidade ! Vai cantando e deixa cair punhadas dum sal que brilha no caminho obscuro...

Noventa e nove ovelhas olham para ele, sem mexer.

A centésima, a mais nova e mais cara, salta e desaparece atrás do tentador. O pastor chama-a mas ela não volta. Ela vai, mais rápida do que o vento, ter com aquele que passou, e, para guardar todas as suas forças na sua corrida, prova este sal que penetra por dentro e a queima dum estranho delírio que a leva a procurar as águas negras e verdes na obscuridade das florestas. E, nas florestas, atrás do tentador, afunda-se, penetra, sobe e desce e cai... uma, duas, três vezes, sente em volta do pescoço o abrasamento viscoso dos répteis e cheia de sede, bebe água suja; affamée, como as ervas que reluzem dum baba repugnante.

O que faz durante este tempo o bom pastor? Fecha num lugar seguro as noventa ovelhas fiéis e põe-se a caminho e não pára enquanto não encontra rastos da ovelha perdida. Dado que não volta para ele, ele vai para ela. Vê-a de longe, embriagada e apertada pelos répteis, tão ébria que não sente a nostalgia do rosto que a ama, e nem olha para ele. E vê-a novamente, culposa de ter entrado como um ladrão em casa de outrém, tão culposa que já nem se atreve a olhar para ela... E portanto o pastor não se cansa... e vai-se. Procura-a, procura-a, segue-a, assédia-a. Chora procurando a ovelha perdida: tiras de lã, tiras de alma; marcas de sangue; délitos de qualquer espécie; resíduos; testemunhos da sua luxura. Vai ter com ela.

Ah! Já te encontrei, minha amada! Já te encontrei ! Que caminho percorrido por ti, para te trazer de volta ao curral! Não baixes a tua cabeça suja. O teu pecado está enterrado no meu coração. Ninguém, na exeção de eu, que te amo, o saberá. Eu defender-te-ei contra as críticas de outrém, eu cobrir-te-ei da minha pessoa para te servir de escudo contra as pedras dos acusadores.

Anda. Estás ferida? Mostra-me as tuas feridas. Conheço-as, mas quero que le as mostres, com a confiança que tinhas quando eras pura e quando só olhavas para mim, o teu pastor, o teu deus, com um olho inocente. Aqui estão. Todos elas têm um nome. Que profundas que elas são! Quem te feriu desta maneira no fundo do teu coração? O Tentador, eu sei. Foi ele, que sem sino, nem machada te feriu mais profundamente com a sua mordedura envenenada e depois, são as falsas jóias do seu incensório, que te seduziram pelo seu brilho ... e que eram

um sopro infernal que se produzia à luz para te queimar o coração. Vê! Quantas feridas, quantas tosões rasgadas, quanto sangue, quantas silvas!

Oh! Pobre alma ilusionada! Mas diz-me: se eu te perdoar, será que ainda me amarás? Mas diz-me: se te abro os braços, será que ainda cairá neles? Mas diz-me: será que tens sede dum amor bom? Então: vem e volta para a vida. Volta para os santos pastos. Estás a chorar. As tuas lágrimas juntas com as minhas lavam as marcas do teu pecado, e Eu, para te alimentar, porque estás casada pelo mal que te queimou, abro o peito, abro as veiase digo-te: «Alimenta mas vive!» Anda para o meu colo. Vamos depressa até aos pastos santos e seguros. Esquecerás tudo desta hora de desespero e as tuas noventa e nove irmãs, as boas, festejerão o teu regresso. Eu te digo, minha ovelha perdida, que procurei vindo de tão longe, e que acabei por encontrar, salvei-te e agora organizamos uma maior festa entre os bons para uma ovelha perdida que volta do que para as noventa e nove outras ovelhas que não fugiram.»

Pai ou mãe, padre, educador ou simplesmente amigo, cada um de nós é chamado, cada uma na missão que lhe compete, cada um com os talentos que recebeu, em ser «bom pastor »? Ou então, será que por vezes ocupamos o lugar da ovelha perdida ou extraviada? Analisemos portanto o comportamento de cada uma das personagens da parábola para que saibamos Aquele que é o Caminho, a Verdade e a Vida ou então, em função das circonstâncias da vida, ajudar o nosso próximo a procurar e a seguir este Caminho, esta Verdade, e esta Vida.

O bom pastor

Primeiro, o pastor é «bom ». A bondade é uma qualidade superior à sabedoria porque requere amor. De fato, entre as virtudes de que faz prova o bom pastor, a primeira que encontramos é esta: o amor. As quatro outras virtudes que a Igreja qualifica de virtudes cardinais * As virtudes cardeais que são a prudência, a justiça, a força e a temperança, são como os quatro pontos cardeais que permitem ao marinheiro de se orientar quando os conhece e os utiliza corretamente. Santo Agostinho indicava a propósito: «Bem viver não é outra coisa do que amar Deus de todo o coração, de toda a sua alma e de todo o seu agir. Conserva-se-lhe um amor inteiro (pela temperança) que nenhuma infelicidade pode abalar (o que relève da força), que só lhe obedece a Ele (isto é a justiça), que vigia para distinguir todas as coisas para não se deixar surpreender pela rusa e a mentira (isto é a prudência)». Santo Agostinho, mor. eccl. 1, 25, 46., encontram finalmente a sua origem e o seu fim nesta virtude teologal da caridade.

O amor: o bom pastor ama as suas ovelhas. Não se contenta de as conhecer «mais ou menos», «por junto» ou «aproximativamente». Não! Conhece-as uma por uma e quando uma dela fica doente, trata dela. Se uma delas se perde, vai ao seu encontro. O bom pastor não se diz: «Há mais marés do que marinheiros». Não! Cada uma tem o seu valor tanto que se uma se perder, vai sem esperar à sua procura. Segue o seu rasto. Sabe perfeitamente que a sua ovelha é infeliz e que sofre. Ele sofre também, por amor por ela. Chora ao saber que é infeliz. Mas quando a encontra, que alegria! Que alegria apesar de tudo o que a ovelha lhe fez passar: a imprudência de que fez prova ao seguir o tentador; a injustiça que lhe testemunhou ao deixá-lo, ele que é bom, e que lhe dava tudo o que ela precisava; a fraqueza na sua corrida ao seguir o tentador, ela que, para procurar qualquer força necessária, provava o sal amargo do pecado; a sua intemperança pela atração da escuridão. Para lhe dar novamente saúde, a mesma saúde do que noventa e nove outras ovelhas, perdoa-lhe todos os seus pecados e dá-se a ela como alimentação. Ah! Tanto amor demostrado por este bom pastor!

A temperança * A tempérance é a virtude moral que modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso dos bens criados. Garante o domínio da vontade sobre os instintos e mantem os desejos nos limites da honestidade. A pessoa temperante orienta para o bem os seus apetites sensíveis, guarda uma discrição sã e não se deixa influenciar para seguir as paixões do seu coração. CEC 1809.: o nosso bom pastor, no seu papel, mostra às suas ovelhas um certo equilíbrio na utilização dos bens criados. Para elas, procura bons pastos onde não há cicuta nem plantas perigosas mas trevos agradáveis e ervas sãs. Procura um lugar onde pode encontrar simultaneamente comida, frescura, um rio de água límpida e árvores capazes de dar sombra. Não se preocupa em encontrar pastos mais verdes, que podem aparecer como melhores à primeira vista, porque sabe que escondem facilmente serpentes à espreita e ervas nocivas. O bom pastor age por conseguinte e principalmente por prevenção e por vezes também, para o bem das ovelhas, usando a autoridade que lhe confere o seu cargo. Se uma ovelha fica doente por glutonaria, este não hesita em levantar a voz para chamar a ovelha à razão.

A fortaleza * A fortaleza é a virtude moral que dá segurança nas dificuldades, firmeza e constância na procura do bem. Firma a resolução de resistir às tentações e superar os obstáculos da vida moral. A virtude de fortaleza torna capaz de vencer o medo, inclusive até a morte, de suportar a provação e as persecuções. Prentende renunciar e sacrificar a sua vida para defender uma causa justa. CEC 1808.: o bom pastor mostra com que constância persegue o bem. Assim, quando se põe a caminho para encontrat a ovelha perdida, não pára enquanto não encontrar a sua ovelha. Dado que esta não volta para ele, ele vai ao seu encontro. Quando a vê dessa forma entrelaçada pelos répteis e que esta faz pouco dele, não se cansa. Procura-a, procura-a, segue-a, assédia-a. Será que teme, como os fariseus que fogem dos pecadores para não serem manchados pelos seus pecados, de se sujar ao ir buscar a sua ovelha no meio do abrasamento viscoso dos reptéis? Não! Pelo contrário. Não hesita em arriscar a sua vida para salvar a da sua ovelha. «Não são os que têm saúde que precisam de médico, mas sim os doentes» (Mt 9 12) responderá Jesus aos seus detratores.

A justiça * A justiça é a vitude moral que consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo o que lhes é devido. A justiça para com Deus é chamada «virtude de religião». Para com os homens, respeita os direitos de cada um e a estabelecer nas relações humanas a harmonia que promove a equidade em prol das pessoas e do bem comum. CEC 1807.: o bom pastor desenvolve um sentido elevado da justiça. De fato, e-lhe entregue uma missão: a de guardar as ovelhas. É justo que a realize com a maior diligênncia. É no entanto que o ele faz procurando um lugar onde se encontram simultaneamente comida e todos os outros elementos de que precisam as ovelhas: frescura, águas limpas, sombra, ... Quando o bem pastor vai à procura da ovelha perdida, preocupa-se antes de partir, em garantir a segurança das noventa e nove outras ovelhas que lhe são fiéis. Por fim, quando acaba por encontrat a ovelha perdida, será que a despreza, que a humilia perante todos para se vingar da sua infidelidade? Não! Abraça-a e fala-lhe com carinho. Garante-lhe uma defesa contra as críticas de outrém, contra as pedras dos acusadores. De fato, o pecado da ovelha perdida não lhe faz perder de vista a sua missão de guardar as suas ovelhas de qualquer mal, que venha dum tentador ou de acusadores.

A prudência * A prudência é a virtude que dispõe a razão prática em discernir em qualquer circunstância o nosso verdadeiro bem e escolher os meios adequados para realizá-lo...Não se confunde nem com a timidez ou o medo, nem com a duplicidade ou a dissimulação. É dita auriga virtutum: porque conduz a outras virtudes indicando-lhes a regra e a medida. É a prudência que guia imediatamente o juizo de consciência. CEC 1806.: o bom pastor mostra muita prudência. Não põe as suas ovelhas a pastar no primeiro pasto que encontra. Não, pelo contrário. Começa por procurar bons pastos para as sua ovelhas, pastos que lhes permitirão de se alegrar em total serenidade. Quando vai à procura da ovelha perdida, será que deixa as outras completamente sós com os lobos a rodear? Não. Fecha num lugar seguro as noventa e nove outras ovelhas fiéis, ou seja dá-lhes todos os meios para permanecer no amor do pastor. O prefácio intitulado «dos Apóstulos » resume perfeitamente esta prudência amorosa: «... Não abandonas o teu rebanho, Pastor eterno, mas guardas-o pelos Apóstulos sob a tua constante proteção; dirige-lo ainda por estes mesmos pastores que o levam hoje em nome do teur Filho...»

O tentador

Mostrámos no capítulo II, quais as formas de tentação utilizadas por Satão para tentar roubar a nossa alma. Lembremos de que existem três formas de tentação: o lado material da natureza pela atração carnal e a gulodice, e o lado moral e o lado espiritual. É esta última tentação que interessa mais Satanás, as duas primeiras formas constituem principalmente meios para chegar a aprisionar o homem pela terceira. Encontramos na parábola da ovelha perdida, todos os argumentos desenvolvidos por Belial, ou seja todos as rusas e mentiras diversas, para chegar a seus fins. Ao hábito austero do pastor, o tentador começa por opôr um hábito com mil cores. Aos acessórios utilizados pelo pastor no exercício da sua missão, ou seja um cinto de pele com uma machada e uma face pendurados, opõe um cinto de ouro onde estão penduradas campainhas com um som argentino, melodioso tal a voz do rouxinol, e frascos de essências embriagantes. Ao sino com o qual o bom pastor reúne e defende as suas ovelhas, opõe um incensório brilhante de pedras preciosas. Tudo isso parece benigno, sem qualquer importância, mas se nos deixamos levar, eis o que acontece: o tentador começa a cantar e deixa cair mãos cheias dum sal que brilha no caminho obscuro. Porque o caminho, desde o início, é obscuro. Podemos avistar este sal, estranho, que brilha e que indica o caminho a seguir, mas ignoramos finalmente para onde vamos. Se, para retomar forças, vimons provar o sal do tentador , ou seja o sal do pecado, obtemos um resultado contrário àquele que procuramos. Em vez de retomar forças, a força deixa-nos: tornamo-nos mais fracos, mais vulneráveis, prestes a cair na segunda tentação. Porque o caminho obscuro, ele, orienta-se, pouco a pouco, em direção à obscuridade das florestas. Aí, já não há mais luz. Somos assaltados por répteis sem que póssamos sair da situação sozinhos. O espírito já não é mestre do corpo mais é o corpo que se torna mestre do espírito. Ora, se o corpo se revela ser um bom servidor da alma quando sabemos dar-lhe coisas boas, é um péssimo mestre para o espírito. Se o nosso espírito é aniquilado pelo corpo, então tornamo-nos esfomeados e ávidos

por tudo o que nos faz falta para sermos felizes. Provamos então ervas que brilham duma baba repugnante. O que é que se passa no fim? Já não sentimos o amor de Deus que nos ama. Já não sentimos o amor das pessoas que nos amam. E mesmo se Deus ou os nossos antigos companheiros se manifestam, ignoramo-los, pensando que somos os maiores, que somos mais livres do que eles, mais felizes do que eles. O que é que se passe na realidade? Somos como um rato que penetra numa ratoeira cheia de queijo e que ignora os seus antigos amigos que ficaram dentro, porque pode encher a barriga com todo o queijo que se encontra lá dentro, e colocado pelo armadilhador. Uma vez o queijo comido, comido até fartar, qual é o futuro do rato? Em todos os casos, é prisoneiro, escravo do armadilhador. Pode matá-lo ou esquecê-lo na sua ratoeira. Se se esquecer, significa uma morte lenta provocada pela fome. Está só. E num sobresalto associado a uma ajuda exterior, é morte certa.

A ovelha perdida

A pobre ovelha perdida não mostra nenhuma das virtudes reveladas pelo seu bom pastor. Não se mostra prudente quando vê o tentador. Não pensa como as outras ovelhas: «Deixemos passar este homem estranho, com uma área tão atraiente; não lhe liguemos». Pelo contrário, a nossa pobre ovelha deixa-se ir como o pobre ratoi que vê o queijo instalado frente à ratoeira. Jura fidelidade ao que ela pensa ser a felicidade, e por mais uma felicidade sem qualquer esforço. Basta baixar-se para comer. Será que ela não tinha o necessário nos pastos do seu pastor? Tinha o que lhe era necessário, mas a pequena era gulosa. Queria sempre mais. Não saber satisfazer-se do necessário é mostrar a sua l’intemperança. Então a ovelha começa por consumir algo que parecer ser anodino, mas que não satisfaz, não desaltera. Ao contrário, o fato de provar o que é oferecido pelo tentador traz uma terrível fome, uma sede inextinguível * Temos em França um proverbo antigo que resume perfeitamente esta ascensão do mal no coração dum ser: «qui vole un oeuf, vole une boeuf», ou seja aquele que literalmente : quem rouba um ovo, rouba um boi, o que signfica que quem rouba um ovo, amanhã roubará um boi.. Em vez de dizer: «Preciso voltar para os pastos verdes do meu pastor», o que só seria justiça para para com ele, a ovelha afasta-se ainda mais na obscuridade. Falta de força na tentação. Cai nas águas negras e verdes do pecado. Torna-se prisoneira, escrava do seu pecado. Então, enquanto o seu pastor a chama, ela faz abertamente pouco dele: «Vai então, com os teus verdes pastos! Vai ver se chove!»

Do lado da ovelha, a separação é total. Fica separada de Deus, separada das outras e separada do se user. De fato, tal como o possuído do lago de Genesaret que se cortava o corpo com pedras, encontramos na ovelha tanto o executor como o supliciado. Que ser, de fato, a não ser que sofra de sadomasoquismo, é feliz quando se faz mal? A nossa ovelha chegou a este ponto: já não precisa de ninguém para se fazer mal. Faz-se mal sozinha. O tentador pode ir tentar outra pessoa. O rato, ele, fica preso na ratoeira.

Se não houvesse qualquer ajuda vinda do exterior naquele momento, se não houvesse qualquer bom pastor, seria o fim para a ovelha. Ficaria realmente perdida, definitivamente perdida, Então o bom pastor junta-se a ela. Mas o bom pastor não a pode levar de força, não a pode retirar do seu pecado sem o seu acordo. Precisa do aval da sua ovelha. Precisa de amor, precisa de perdão, que devem exprimir-se dum modo sensível. O bom pastor não pode passar sem eles para ajudar a ovelha. Se a obrigasse, o resultado só poderia ser efémero. Desde a primeira oportunidade, a ovelha deixá-lo-ia de novo para mergulhar na sua lama. Ah! Se a ovelha passasse por este sobresalto que por vezes algumas almas só conhecem no seu leito de morte, enquanto a graça de Deus abunda, e até superabundar. Lembremo-nos dos dois larápios crucificados ao lado de Jesus. O mau permanece no seu pecado e faz pouco de Jesus. O outro, também criminoso, confessa o seu erro, pede perdão e tenta até converter o seu companheiro de desventura: «Tu nem ainda temes a Deus, estando na mesma condenação? E nós, na verdade, com justiça, porque recebemos o que os nossos feitos mereciam; mas este nenhum mal fez». E disse a Jesus : Senhor, lembra-te de mim, quando entrares no teu reino. E disse-lhe Jesus : Em verdade te digo que estarás comigo, hoje, no Paraíso» (Lc 23 40-43).

As noventa e nove ovelhas fiéis

Estas não se desnortearam. E com razão. Praticam as quatro virtudes cardeais. Quando o tentador passa, olham para ele sem mexer. Estas ovelhas, já são a alegria do pastor. São fiéis, prudentes, apaixonadas pelo pastor e dão-lhe provas do seu amor, ouvindo a sua voz e obedecendo às suas ordens. Poderiamos então pensar que estariam com direito de julgar a sua irmã pecadora. Mas não o fazem. Também não a julgam quando esta se perde e que regressa ao curral. Será que dão uma lição de moral à sua irmã? Não! Abstêm-se. Será que fazem exprobações ao pastor dizendo-lhe: «A nossa irmã caiu na lama dos suinos, já não a queremos ao nosso lado com mêdo que nos suje». Não! Pelo contrário! Ficam felizes pelo regresso da irmã perdida, porque estava perdida e regressou, estava morta e voltou à vida. Estas noventa e nove ovelhas são boas e puras porque os bons e puros nuncam criticam. Nunca. Compreendem.

Bem-aventurados os de coração puro, porque verão a Deus

É assim que se intitula a décima-sexta admoestação * Alguns manuscritos dão como título às Admoestações: «Assim falava São Francisco». Pois, têm como origem as intervenções organizadas por São Francisco nas reuniões dos irmãos, ou capítulos. Dirigia-lhes «opiniões, ordens, repreensões» (3 S 57). A lenda de Perugia fala destas «coversas com os irmãos » e dá alguns exemplos (71 e seguintes). Guardaremos alguns testemunhos escritos que têm como título “Admoestações”. Certas “Admoestações” são breves notas sob a forma de comentários de Escritura; outros, des exortações espirituais; outros por fim, são opiniões destinadas a aprofundar tal ou tal ponto da Regra, «breves notas necessárias para o bom funcionamento da vida em fraternidade» (1 C 32). Podemos classificar as admoestações em dois grupos bastante homogéneos: os Ensinos (1 a 12); e as Beatitudes (13 e seguintes). Todas, mas as últimas sobretudo, merecem a definição que dá delas o Padre Cuthbert: constituem o «Sermão na montanha » de São Francisco. Edições Franciscanas 1981, São Francisco de Assís Documentos, P. Théophile Desbonnets e P. Damien Vorreux, p. 39 (introdução às admoestações). de Francisco. Vamos desde já dar a conhecer o texto, muito curto, porque é ele que nos vai introduzir na descoberta ou no aprofundamento daquilo que podemos chamar de pureza do coração.

«Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus. Têm o coração puro os que, desprezando as coisas terrenas, procuram as celestiais e, de coração e espírito puros, não cessam de adorar e de ver sempre o Deus vivo e verdadeiro.»

É através de várias narrações da vida de Francisco e dos seus irmãos que abordaremos a virtude da pureza. Verremos dois trechos em que Francisco ajuda o Frei Masseu. Estaremos também com ele durante o seu encontro com os habitantes de Sena. Por fim, veremos que Francisco conseguirá desvendar a impostura dum irmão que passava por um santo. Esta pureza de coração, encontrá-lo com certeza em Francisco. Mas Francisco tem sempre a preocupação de ajudar os seus irmãos e o seu próximo a orientar o seu coração para o nosso Pai dos Céus. Veremo-lo agir neste sentido.

Estas narrações da vida de Francisco vão fazer com que um dos companheiros mais próximos de Francisco intervenha: Frei Masseu. Para saborear melhor as próximas linhas, comecemos por apresentar Frei Masseu: nasceu em Marignano perto de Assís. Recebe do Senhor um grande número de qualidades, tanto físicas como intelectuais. De fato, alto, devemos reconhecer que é um belo homem. É gratificado dum sólido bom senso. O seu espírito é vivo, e por vezes um pouco cáustico. Tem sempre a resposta pronta e sobretudo, talvez, uma forma de eloquência simples e usual para falar de Deus. Toca os corações e tem muito sucesso junto daqueles que o ouvem. Entra para a Ordem em 1210 ou 1211. Tornar-se-á muito humilde ao contato de Francisco, após ter recebido deste algumas lições bem merecidas... * As narrações que seguem são inspiradas dos «Fioretti», capítulos 10 e 11, em que vão ser inseridos outros textos (as referências serão no entanto notificadas).

Pela graça de Deus

Perto da Porciúncula,encontra-se um bosque onde Frei Francisco gosta de estar para rezar. Regressa um dia dum longo tempo de oração neste bosque e dirige-se então para a comunidade. Enquanto caminha, o seu rosto permanece iluminado pela sua meditação. Se os seus olhos olham para o caminho para mandar os pés pousarem-se no lugar certo, o seu olhar, continua em oração. É neste instante que Frei Francisco é chamado por Frei Masseu. Este, de fato, vem justamente ao seu encontro. Alguns instantes antes, e enquanto Francisco não tinha notado, Frei Masseu tinha parado de andar para observar melhor Francisco que vinha até ele. Quando Frei Masseu se dirige em direção a Francisco, o seu rosto fica risonho e a sua cabeça, continuando a falar, oscila da esquerda para a direita, e vice versa, como para dizer «não compreendo!». o tom da sua voz, este, não tem nada de desprezador ou de arrogante. Fala como se falasse a um amigo a quem pode dizer absolutamente tudo, mesmo as mais curiosas, senão audaciosas interrogações. Porque a pergunta que faz a Francisco é um pouco audaciosa: «Porque a ti? Porque a ti? Porque a ti??» Francisco pára de andar e descobre Frei Masseu ali, alguns passos diante dele. Abre grande os seus olhos interrogadores. «Que é o que tu queres dizer?». O sorriso de Frei Masseu faz-se maior e abrindo as mãos e encolhendo os ombros, salienta: «Digo: donde vem que todos correm a ti, e cada qual parece que só deseja ver-te e ouvir-te e obedecer-te? Tu não és formoso de corpo, não possuis grande ciência, não és nobre; donde vem, pois, que toda a gente corra atrás de ti?»

Mais do que, ao ouvir esta pergunta, ficaria contrariado, porque cada um tem o seu amor-próprio e não gosta de ser rebaixado dessa forma. Mas para Francisco, não é nada. Francisco, pelo contrário, alegra o seu espírito, levanta o seu rosto para o céu e permanece muito tempo a alma elevada para os céus, como se esperasse de Deus a resposta à pergunta. Frei Masseu olha para ele, já quase surpreendido pelo seu silêncio. Depois, lentamente, Francisco ajoelha-se e dá graças a Deus. Volta-se então para Frei Masseu e diz-lhe: «Queres saber porque a mim? Queres saber porque a mim? Queres saber porque a mim toda a gente corre? Isto me vem daqueles olhos do altíssimo Deus, os quais por toda a parte contemplam os bons e os maus; e como estes olhos santíssimos não descobriram entre os pecadores nenhum mais vil, nem mais ignorante, nem maior do que eu; e como, para levar a cabo a maravilha que intentava, não achou, sobre a terra, mais vil criatura, escolheu-me a mim para confundir a nobreza, e a grandeza, e a força, e a formosura, e a grandeza do mundo, para que se reconheça que toda a virtude e todo o bem lhe pertencem e não à criatura, e que ninguém se pode gloriar em sua presença; mas, se alguém se gloriar, glorie-se no Senhor, * «... Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis e as que não são, para aniquilar as que são; Para que nenhuma carne se glorie perante Ele. Mas vós sois d’Ele, em Jesus Cristo o qual para nós foi feito, por Deus sabedoria, justiça e santificação e redenção; Para que, como está escrito : Aquele que se gloria glorie-se no Senhor.» 1 Co 1 27-31., a quem pertence toda a honra e glória, por toda a eternidade.»

Ouvindo estas palavras, as larmas enchem os olhos de Frei Masseu e correm-lhe pelo rosto. Evidentemente, não esperava uma tal resposta. Tocado na alma por um tal abandono a Deus, ajoelha-se aos pés de Francisco e pergunta-lhe: «Benzei-me, Frei Francisco, e rezai o Senhor de me dar a muito santa virtude de humildade.»

Francisco olha agora para Frei Masseu olhos nos olhos e já que estão ambos ajoelhados, perto um do outro, pega na mão de Frei Masseu dizendo-lhe: «Feliz o servidor que homenagia qualquer bem ao Senhor. Aquele que pelo contrário reivendica uma para para ele, este até esconde nele o dinheiro do Senhor Deus, e o que ele pensava possuir lhe será retirado * Adm 19. Entregar ao Senhor todo o bem.

No caminho para Sena

Francisco escolhia muitas vezes Frei Masseu como companheiro de viagem por causa do charme da sua palavra e da sua eminente sabedoria. Encontramos os dois companheiros, algum tempo após o episódio anterior, a caminhar juntos nas estradas de Toscana. Frei Masseu caminha um pouco mais adiante de Francisco. Ao chegarem à encruzilhada de Poggibonsi que, para quem vem de Assís, permite ir para três direções diferentes, Florença, Sena ou Arezzo, Frei Masseu volta-se para ele e diz: «Irmão, por que caminho devemos seguir?» Francisco responde: «Aquele que o Senhor nos indicar». A esta resposta, Frei Masseu ri às gargalhadas e diz: «Ah, ah! E como poderemos saber a vontade de Deus?» Francisco responde: «Pelo sinal que te vou mostrar. Mando, pois, por mérito de santa obediência, que, nesta encruzilhada, e no lugar onde tens os pés, te ponhas a andar à roda, à roda, como fazem os meninos, e que não deixes de girar enquanto eu to não disser» Frei Masseu abre grande os olhos mas em virtude da santa obediência, começa a girar no meio do cruzamento. As pessoas passam e riem-se ao ver este grande rapagão andar à roda como uma criança. Alguns até gritam «Holà!» enquanto Frei Masseu, atordoado, cai ao chão. Mas este, com coragem e humildemente, levanta-se e continua de girar por Francisco ainda não lhe disse para parar. Numa certa altura, Frei Masseu gira muito depressa,

e Francisco diz-lhe: «Pára e não te movas mais.» Então Frei Masseu, num último esforço para não cair, pára. «Para onde estás voltado?» pergunta-lhe Francisco. Frei Masseu responde: «Para Sena ». Francisco responde: «É o caminho que Deus nos manda seguir».

Então Francisco e Masseu põem-se novamente a caminho, Masseu sempre um pouco à frente e Francisco atrás. Sempre caminhando, Frei Masseu diz para com ele: «Francisco é de fato muito original. Mandar-me girar assim como uma criança na frente de todas as pessoas que passavam pelo cruzamento.» No entanto, não se atreve a dizer seja o que for a Francisco, por respeito por ele. Mas, digamos desde já, tem alguma dificuldade em «digerir» o meio utilizado para conhecer a vontade divina.

Ao aproximarem-se de Sena, alguns habitantes vêm ao seu encontro. Estes foram avisados por viajantes mais rápidos do que os nossos amigos e anunciaram esta nova: «O santo homem de Assís vem a caminho com um dos seus companheiros». As pessoas deitam-se então aos pés do dois irmãos menores, muito atrapalhadas. «Venham depressa! Estavam sieneses combatendo por causa de mulheres, à mistura com uma estranha história de dinheiro. Já houve dois mortos e vai continuar se nada é feito para trazer a paz.» Francisco e Masseu aceleram o passo e dirigem-se para o meio da multidão. Gritos, insultos, pancadas, sangue a correr. Eis o espetáculo de horror que descobrem ao chegar. «Párem, habitantes de Sena! Párem e ouçam!» grita Francisco. «Ouçam esta parábola».

Parábola contra os olhares para as mulheres

«Um rei poderoso enviou à rainha, um após outro, dois mensageiros. O primeiro voltou e fez seu relatório com as palavras indispensáveis, porque era sábio e tinha segurado os olhos em sua cabeça, sem saltar para qualquer outra coisa. «Afastar o teu olhar duma linda mulher e não olhes para uma beleza estrangeira» (Si 9 8). Voltou também o outro e, depois de fazer breve relatório, teceu um longo elogio à beleza da senhora: 'Na verdade, senhor, vi que é uma mulher belíssima. Feliz de quem pode aproveitar'.

O rei respondeu: «Servo mau, puseste os teus olhos impuros em minha esposa? É claro que querias comprar o que sorrateiramente estiveste apreciando».

Mandou chamar o primeiro e disse: 'Que achaste da rainha?' Ele respondeu: «O melhor possível, porque ouviu em silêncio e respondeu com inteligência. - 'E não é bonita?' - 'Isso sois vós que deveis olhar, senhor. Minha obrigação era levar o recado'. Então o rei sentenciou: 'Tu, que és casto de olhos, continuarás a meu serviço, e serás ainda mais casto no corpo! Mas esse outro seja posto para fora, para que não me venha a desonrar o leito!'"

Francisco continua: «Quem é muito seguro não toma cuidado com o inimigo. E o diabo, se consegue se apoderar de um fio de cabelo, logo o faz crescer como uma trave. E mesmo que fique muitos anos sem poder derrubar aquele a quem está tentando, não se importa de esperar, contanto que acabe caindo em suas mãos. Esse é o seu trabalho, e ele não pensa noutra coisa, dia e noite» * Segundo 2 C 113.

Não se deixar destruir pelo pecado de outrém

E Francisco continua: «Mas quando encontramos uma pessoa, que em todos os casos é um irmão, que acaba de cometer um pecado, será que devemos deixar destruir por este pecado? Será que devemos acrescentar outra falta à anterior, julgando o nosso irmão, maldizendo, batendo-o ou matando-o? Não! Na verdade, tão grande que seja o pecado cometido pelo próximo, o servidor de Deus pode ser afatado no seu amor por Deus ofendido, mas nunca deve perder a paz da alma nem zangar-se. Se perdesse a paz da alma, ou se zangasse, atribuir-se-ia injustamente um direito que só pertence a Deus: julgar um erro.

O servo de Deus que permanece inacessível à ira e à agitação nas suas relações com outrém, este leva uma vida em conformidade com a sua vocação, livre de qualquer ligação egoísta. E bem-aventurado aquele que nada retém para si, mas " dá a César o que de César, e a Deus o que é de Deus * Segundo Adm 11.». Francisco, lentamente, retoma o seu fôlego e, olhando com ternura para os rostos voltados para ele, continua com um tom que se aproxima mais da oração do que da predicação:

Aimai os vossos inimigos

«Amai os vossos inimigos», diz o Senhor.

Ama verdadeiramente o seu inimigo aquele que não se contristar pela injúria dele recebida, 3 mas por amor de Deus se afligir com o pecado que está na alma dele, e por meio de obras lhe manifesta sua caridade (Adm 9).

Bem aventurados os pacíficos

Bem-aventurados os pacíficos, porque eles serão chamados filhos de Deus"

São verdadeiramente pacíficos os que, no meio de tudo quanto padecem neste mundo, se conservam em paz, interior e exteriormente, por amor de Nosso Senhor Jesus Cristo.(Adm 15).

Paz para vós, meus irmãos! Paz para vós! Sejam «um» como o Pai, o Filho e o Espírito Santo são «Um ».»

Os habitantes de Sena, comovidos por estas palavras e pela força de alma com que foram pronunciadas, perdoaram-se mutuamente as ofensas cometidas. Uma grande união ligou-os uns aos outros a partir daquele instante.

Entrar em si próprio para ver as obras divinas

O bispo de Sena, tendo conhecimeno desta intervenção, convida Francisco juntamentamente com o Frei Masseu e recebe-os, com muitos luxos dignos de senhores. Jantam juntos e o Bispo insite para que os dois menores fiquem dormir na sede do bispado, essa noite. Como já é muito tarde, os nossos amigos aceitam. Mas, bem cedo, de manhã, sem que o sol se tenha já levantado, Francisco acorda Masseu e diz-lhe: «Vamos depressa antes que alguém acorde porque estamos demasiados bem tratados aqui». E, sem que ninguém saiba, inclusive o bispo, deixam Sena sem fazer barulho.

No caminho de regresso a Assís, Frei Masseu murmura: «Que coisas, as que este pobre homem faz! Manda-me andar à roda, como um muchacho, e ao Bispo, que tanto o honrou, nem ao menos disse uma boa palavra de agradecimento»! Francamente, parece-me que Frei Francisco age por vezes sem grande educação. E Frei Masseu caminhava ruminando estes tristes pensamentos. Mas depois, a caminhada ajudando para a reflexão e para a meditação, Frei Masseu contem-se e começa a acusar-se: ««Muito soberbo és tu, que julgas as obras divinas; tu és digno do inferno, por causa da tua indiscreta soberba; porque ainda ontem fez frei Francisco obras tão santas, que, mesmo realizadas por algum Anjo, não teriam sido mais maravilhosas. Por isso, mandasse-te ele atirar pedras, deverias obedecer-lhe; porquanto o que ele obrou, nesta viagem, procede da disposição divina, como se prova pelo feliz êxito de tudo; pois que se não tivesse reconciliado aqueles que se batiam, não somente muitos teriam sido passados à espada, como já tinha começado a acontecer, mas muitas almas teriam sido arrastadas ao inferno. Por tudo isto, pois, se prova que és estultíssimo e soberbo, quando murmuras do que manifestamente procede da vontade de Deus».

São Francisco, ele, continua de caminhar atrás, silencioso. Mas, como alguns outros Santos * O santo padre de Ars, nomeadamente., Francisco tem um maravilhoso conhecimento das almas * Rastos análogos abundam em todos os seus biógrafos par exemple: LP 28, 30; 1 C 48-50; 2 C 28-31, 40; LM 9 8-13. que lhe permite conhecer com esperteza os pensamentos secretos das pessoas. Tudo o que Frei Masseu diz no seu coração, Francisco sabe-o. Sabe-o tão bem que após os últimos pensamentos de Frei Masseu, Francisco aproxima-se dele, põe a mão no ombro e diz-lhe: «Frei Masseu; meu bom Frei Masseu; O que vais agora pensando é bom e é útil, e de Deus inspirado; mas a primeira murmuração, que antes tinhas estado a fazer, era cega e vã e soberba, e foi-te sugerida pelo demónio.»

Como desmascarou um irmão tido por santo

Alguns anos mais tarde, Francisco chega a uma comunidade de menores onde um irmão levava uma vida santa e exemplar. Rezava dia e noite. Guardava um silêncio tão rigoroso que até quando confessava a um irmão padre, fazia-o com sinais, sem dizer uma palavra. Parecia repleto de piedade e ardia dum fervente amor de Deus. Quando alguns irmãos tinham uma conversa religiosa, manifestava ao ouvi-los, uma grande alegria interior e exterior, e sempre sem falar. Ao vê-lo assim, muitos o consideravam como um santo.

Já havia alguns anos que vivia deste modo quando Francisco chega ao convento onde reside este irmão. Os irmãos não hesitem em mostrar a Francisco o entusiasmo que sentem por este irmão e porque razão o consideram como santo. Mas Francisco interrompe o concerto de louvores que fazem sobre o dito irmão dizendo: «Cantigas, irmãos! Não louveis o que não passa de artimanha diabólica. Sabei, em verdade, que é uma cilada do demónio destinada a seduzir-nos. 7 Para mim, é mais que evidente; e a prova está em que ele não quer confessar-se». Os irmãos, ao ouvir tudo isto, mostram a sua estupefação e interrogam Francisco: «Como é possível – objectavam eles – tanta mistificação em tantos sinais de santidade?»» - «Sintam-no» responde Francisco, «pedindo-lhe que se confesse duas vezes por semana, ou mesmo uma só; se o não fizer, então sabereis que disse a verdade.»

Então o vicário geral, que está também presente, afasta-se com o irmão que passava por um santo e começa a conversar com ele. Conversar é, de fato, uma maneira de falar dado que o irmão só se exprime com sinais. Para terminar, o vicário ordena ao irmão de se confessar duas, ou pelo menos uma vez por semana. O outro recusa, põe um dedo nos lábios e mexe a cabeça provando assim que não se iria confessar. Ao sabê-lo, os irmãos ficam de boca aberta perante uma tal recusa. Pela primeira vez, de fato, o vicário de toda a Ordem ordenava ao tal irmão de vivre um sacramento! Sabem de fato que a confessão pode ser, não só causa, mas também expressão de santidade. Além disso, notando que o irmão se recusava a obedecer ao vicário geral, lembram-se naquele momento a admonição que Francisco pôde exprimir num capítulo geral sobre a obediência perfeita e a obediência imperfeita: «Diz o Senhor no Evangelho: “Quem não renuncia a todos os seus bens não pode ser meu discípulo...» * Adm 3 (trechos).. Como fazer para abandonar tudo o que possuimos? Entregando totalmente à obediência entre as mãos do seu superior. Tudo o que faz ou tudo o que diz um sujeito é ato de obediência verdadeira sob duas condições: por um lado, deve tratar-se objetivamente duma boa ação; por outro lado, temos que ter a certeza de que não vamos contra a vontade do superior. Um sujeito pensa por vezes sentir que outra orientação seria melhor e mais útil para a sua alma do que aquela que lhe é imposta: que faça a Deus o sacrifício do seu projeto, que aplique o do seu superior. Eis a verdadeira obediência, que é também amor: contenta Deus e o próximo... Muitos religiosos, infelizmente, imaginam-se descobrir que há melhor para fazer do que o que ordenam os seus superiores; olham para trás e voltam para os seus vómitos, ou seja à sua própria vontade. São homicidas, porque os seus más exemplos semeiam a morte em muitas almas.» Os irmãos, frente à recusa manifesta «do santo » em se confessar, ficam reduzidos ao silêncio. Temem finalmente que o seu companheiro não lhes dê o escandaloso espetáculo da sua impostura. Consternados, preferem ficar calados.

Ora, após alguns dias, o irmão que passava por um santo deixa a Ordem da sua própria vontade. O mais triste é que a deixa sem nunca se ter reconcilado com Deus e com os seus irmãos. As situações originais e privilegiadas acabam sem por ficar maculadas de vício. E Tomás de Celano conclui: «precisamos tomar sempre muito cuidado com a singularidade, que não é mais do que um precipício atraente» (2 C 28).

O combate pela pureza

«Têm o coração puro os que, desprezando as coisas terrenas, procuram as celestiais e, de coração e espírito puros, não cessam de adorar e de ver sempre o Deus vivo e verdadeiro» nos diz Francisco (Adm 16). Desprezar os bens da terra para só procurar os do céu; eis coisas mais fáceis a dizer do que a fazer! Porque em qualquer homem, por é um ser composto espírito e corpo, existe uma certa tensão, uma luta de tendências entre o «espírito» e a «carne » * Esta luta pertence à herança do pecado. O batismo apaga a nódoa original, mas apesar de ficar totalmente apagada, magoou a nossa alma, frangilizando-a, deixando-a ainda mais sujeita a caír no pecado. É como uma criança que, de pequeno e enquanto os seus pais são perfeitamente sãos de corpo, contrai uma doença mortal. Por milagre, a criança é salva (graças ao batismo). Mas desta doença mortal, no entanto completamente curada, a criança guardará toda a sua vida, uma fragilidade que não teria conhecido se não tivesse sido atingido por esta doença mortal àqual sobreviveu (é a herança do pecado primeiro que solicita, toda a vida, esta luta entre o espírito e a carne).. No entanto, não caímos no desprezo total do nosso próprio corpo ou no de outrém. A «carne» designa esta ligação exagerada ao seu «eu» e aos bens da terra. Mas o corpo, ele, é digno de respeito. Deus feito homem tomou corpo. Rescucitou de entre os mortos e somos, nós próprios chamados a conhecer esta resurreição. A pureza do coração permite-nos perceber o corpo humano, o nosso e o de outrém, como um templo do Espírito Santo, uma manifestação da beleza divina.

Mas utilizar este corpo para um fim que não lhe é destinado * «O meu corpo pertence-me» é o que ouvimos muitas vezes, e «faço o que eu quero dele». Esta maneira errada de conceber o seu corpo, que o distingue, rebaixando-o à categoria de objeto, o corpo do eu, só pode levar à queda. Não permite cultivar a pureza do coração. Consideremos portanto o nosso próprio corpo à luz duma expressão que resume muitas coisas: «O meu corpo pertence-me». Merece portanto respeito., pode levar a nossa alma à perda quando não é o próprio corpo que é levado na sua queda. Assim, uma luta como é evocado acima, ou um combate pela pureza, devem ser iniciado cada dia. Se o batismo confere àquele que o recebe a graça da purificação de todos os pecados, o batizado deve continuar a lutar contra a concupiscência * São João distingue três espécies de cobiça ou de concupiscência: a cobiça da carne, a concupiscência dos olhos e o soberba da vida. Segundo a tradição catequética católica, o nono mandamento proíbe a concupiscência carnal; o décimo proíbe a concupiscência dos bens alheios. CEC 2514. Na confissão, os penitentes devem enumerar todos os pecados mortais de que têm consciência depois de examinar seriamente, mesmo se esses pecados sejam muito secretos e tenham sido cometidos somente contra os dois últimos preceitos do Decalógo, porque às vezes esses pecados ferem gravemente a alma e são mais prejudiciais do que os outros que foram cometidos à vista e conhecimento de todos. CEC 1456. da carne e as cobiças desordenadas * Os desejos não respeitam a medida da razão e nos levam a cobiçar injustamente o que não nos cabe e pertence, ou é devido a outra pessoa. O décimo mandamento proíbe a avidez e o desejo de uma apropriação desmedida dos bens terrenos; proíbe a cupidez desmedida nascida da paixão imoderada das riquezas e de seu poder. Proíbe ainda o desejo de cometer uma injustiça pela qual se prejudicaria o próximo em seus bens temporais. CEC 2535 e 2536.. Com a graça de Deus, conseguirá:

CONVERSÃO E RECONCILIACÃO – PUREZA DO CORACÃO

Artigo 7.

Como «irmãos e irmãs da penitência» * Proposta de vida de 1221., por causa da sua vocação, animados pelo dinamismo do Evangelho, conformarão a sua maneira de pensar e de agir à do Cristo, po resta mudança radical a que o Evangelho chama «conversão»; esta, em razão da fragilidade humana, deve ser seguida todos os dias * Vaticano II, const. Sobre a Igreja 8; decrteo sobre o ecumenismo 4; const. apost. «Paenitemini» preâmbulo..
Neste caminho de renovação interior, o sacramento da reconciliação é tanto sinal privilegiado da misericórdia do Pai como fonte de graças * Vaticano II, decreto sobre o ministério e a vida dos padres 18 b..

Nos primeiros capítulos deste manual, pudemos descobrir a significação dos termos «fraternidade», «penitência», «Evagelho», «conversão». Portanto, não voltaremos a desenvolver a análise deste artigo da nossa regra. No entanto, tanto para este artigo 7 como para o artigo 12 (que descobriremos imediatamente depois), devemos aprofundir o conhecimento deste bem mais precioso que o Senhor deu a cada um de nós: a nossa alma. Porque é a nossa alma que é designada pela expressão: «este caminho de renovação interior». Inconstestavelmente, a alma é o nosso bem mais precioso! Jesus dizia: Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma?» (Mt 16 26).

Mas o que é a alma?

Deus criou o homem com um corpo e com uma alma imortal * Podes eventualmente ler com proveito o § relativo à «Vida» no fim do capítulo 2, que esclarece sobre a existência et a Vida.. A alma é este espírito que nos permite pensar, amar, e agir livremente. Mais precisamente, permite-nos conhecer Deus, amá-Lo e servi-Lo. Ou seja, a nossa alma está aberta ao sobrenatural, ao infinito. Depois da morte, a nossa alma é chamada para partilhar a felicidade eterna de Deus no Céu. Mas não vamos demasiado depressa e ocupemo-nos primeiro do tempo presente * Há dois momentos muito importantes na existência de cada ser humano: o instante presente e o instante da sua morte. É tão verdade que na redação da segunda parte da oração «Avé Maria », a Igreja notificou: «Rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte».. Desde esta terra, a alma pode ser unida a Deus pela Graça, ou seja a habitação de Deus na nossa alma. Podemos dizer que esta habitação passa por três fases: a primeira, é a criação; a segunda, é uma nova criação; a terceira, é a perfeição.

A primeira fase é comum a todos os homens, ou seja a cada indivíduo, que seja cristão, membro doutra religião, adepto duma seita, ateu ou adversário incondicional da Igreja de Cristo, tem uma alma espiritual, imortal, criada por Deus. A segunda fase é própria aos justos, que, pela sua vontade, levam a alma a uma criação ainda mais completa, unindo as suas boas ações à bondade do trabalho de Deus. Fazem-se portanto uma alma já mais perfeita espiritualmente do que aquelas que ficam na primeira fase. A terceira é própria para os bem aventurados, pars os santos, que fazem crescer de mil e um graus a alma que tinham à partida, uma alma simplesmente humana, e fazem dela uma alma capaz de ficar em Deus * Segundo Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italie, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volume 3, cap. 65, p. 383 e 384 (extrato).. Para compreender melhor esta progressão, podemos avocar o símbolo do edifício religioso que o mundo inteiro conhece: o de São Pedro de Roma. A sua grande praça, primeiro, ornada e robusta, introduz o peregrino na área do edifício. Esta é defendida por duas gigantescas séries de colunas implantadas em círculo, como se se tratasse dum muro defensivo dum castelo fortificado. Da mesma maneira, é necessá saber proteger a alma, rainha dum corpo, que é o templo do Espírito eterno, duma barreira que a defende sem no entanto lhe cortar a luz. Estas duas séries de colunas que tentam juntar-se estão no entanto abertas na sua extremidade, como para significar que esta cercada, construida para proteger o edifício, é um misericórdioso refúgio para os mais infelizes que não sabem o que é a caridade. Para aceder ao edifício, à segunda fase, o peregrino deve percorrer esta praça (esta é de fato inclinada) e depois, imponentes escadas. Esta subida simboliza a libertação do espírito na carne. Deixamos em baixo tudo o que pesa para subir para o que é superior: o espírito. Ao cimo das escadas, o peregrino chega por baixo do nártex, o lugar dos catecúmenos, símbolo da efusão do amor, da piedade, do desejo que os outros vêm a Deus. Enquanto a praça permanece submetida às intempéries naturais (o sol de chumbo ou a chuva) este nártex é como um véu colocado por cima do berço dum órfão. Depois, além das portas, as mais belas esculturas em homenagem ao Criador. Numerosos passos restam ainda para percorrer para chegar à encruzilhada dos transeptos * A representação da Trinidade dada neste lugar pelo artista merece ser notificada: lá em cima, debaixo da cúpula, Deus Pai. Não sai dos céus; Mais abaixo, no teto do baldaquino, o Espírito é representado sob a forma dum pombo mas também pelo movimento que o artista deu às tapeçarias de bronze do baldaquino: o sopro do Espírito que age; Em baixo, no altar, Deus que se dá em Jesus Cristo pela operação do Espírito Santo: a Eucaristia, o corpo e o sangue do Cristo. e apresentar no altar a sua oferta de virtudes. É aqui, no altar, que Deus se torna presente no Santo Sacrifício da missa e que a alma humana é convidada a comungar física e espiritualmente com Deus.

Tudo isto é lindo, me dirá. Mas não será que é questão, no artigo 7 da nossa regra, de «fragilidade humana ». Põem-se então para nós novas interrogações.

Como dar à alma: espaço, liberdade, elevação?

Para lhe dar espaço, começar por deitar a baixo as coisas inúteis que temos no «eu». Para lhe dar a liberdade, arrancar as correntes das idéias falsas. Para o erguer, acolher Deus Amor no centro da sua vida * Dado que é questão de três graus, poderíamos também falar de penitência, paciência, constância ou ainda: humilidade, pureza, justiça. Ou ainda : sabedoria, generosidade, misericórdia. Ou por fim o trinómio luminoso: fé, esperança, caridade.. Pela sua obediência até à morte, Cristo comunicou a seus discípulos o dom da liberdade régia, «para que vençam em si mesmos o reino do pecado, por meio de sua abnegação e vida santa» * CIC 908 (LG 36).. A prática da vida moral animada pela caridade dá ao cristão a liberdade espiritual dos filhos de Deus. Não está frente a Deus como um escravo, no receio servil, nem como o mercenário à procura de salário, mas como um filho que responde ao amor de «Aquele que nos amou primeiro» (1 Jn 4 19) * CIC 1828..

O que é o pecado?

O pecado é uma ofensa feita a Deus. Pode reverter as várias formas nomeadas no confiteor: o pecado no pensamento, na palavra, por ação ou por omissão. Mas em todos os casos, trata-se duma desobediência aos mandamentos de Deus que são mandamentos de amor: assim, amar Deus e amar o seu próximo. Sim, mesmo o fato de pecar contra o seu próximo exprime antes de tudo uma revolta contra o nosso Criador: «Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que a teus olhos parece mal» (Ps 51 4). O pecado erige-se contra o amor de Deus para nós. Volta o nosso coração para a direção errada, como o fizeram os nossos primeiros parents no jardim do Éden. O pecado, é «amor de si mesmo até o desprezo de Deus * Santo Agostinho, civ. 14 28.» suja a nossa alma. É como, de qualquer maniera, se puzesse fora da sua casa a cama, os lençóis lavados e a boa comida para os substituir por resíduos e excrementos. Permanecer no seu pecado, é deitar-se todas as noitas em resíduos e consumir todos os dias excrementos. A metáfora pode fazer sorir mas, relativamente à nossa alma, é o que o pecado provoca. Afasta Deus da nossa alma para o substituir por Sátão. É como dizer que esta exaltação orgulhosa de si próprio não se parece em nada com a maneira de pensar e de agir do Cristo à qual nos convida a nossa regra. Ele, Jesus, pela sua obediência, cumpre a saudação. O pecado, é a perda, o contrário da saudação. Portanto, graças a Deus Pai, Filho e Espírito, é possível restaurar a vida divina em nós. Esta graça reclama do penitente a confissão das suas faltas. Porque se «Deus que nos criou sem nós, não quis salvar-nos sem nós» * Santo Agostinho, serm. 169, 11, 13.. A receção da sua misericórdia reclama de nós a confissão das nossas faltas. ««Se dizemos que não temos pecado, enganamo-nos, e a verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e para nos purificar de toda a maldade» (1 Jo 1 8,9). * CIC 1847.

A misericórdia divina no Antigo Testamento

No Antigo Testamento, o conceito de «misericórdia» tem uma longa e rica história * A partir deste parágrafo e para os dois seguintes, o essencial do conteúdo é composto por extratos adaptados da segunda carta encíclica do nosso soberano pontife João Paulo II Dives in misericordia (a misericórdia divina) (Pierre TEQUI Editor 1980). . Temos de volta raté ela para que resplandeça mais plenamente a misericórdia que o Cristo revelou. Já não têm conto as vezes em que Deus prova a sua misericórdia para com os homens que seja a título individual ou comunitário. Não faltaram homens e profetas em Israel para suscita resta consciência dum Deus misericórdia * Jz 3 7-9; 1 Rs 8 22-53; Mq 7 18-20; Is 1 18, 51 4-16; Ba 2 11, 3 8; Ne 9.. Na origem desta convição situa-se a experiência fundamental do povo eleito vivida durante o êxodo: o Senhor vê a aflição do seu povo e ouvindo o seu clamor, conhece as suas dores e decide livrá-lo das mãos dos egípcios (Ex 3 7-8). Neste ato de salvação cumprido pelo Senhor, o profeta distingue o seu amor e a sua compaixão(Is 63 9). É aqui que se enraiza a confiança de todo um povo e de cada um dos seus membros na misericórdia divina, misericórdia que se pode invocar em qualquer circonstância trágica.

Podemos também acrescentar a miséria do homem, é também o seu pecado. O povo da Antiga Aliança conhece esta miséria desde o tempo do êxodo, ao ereger o boi de ouro. Deste ato de rupture de aliança, o próprio Senhor triunfa declarando solenemente a Moisés: «Deus misericordioso e piedoso, tardio em iras e grande em beneficiência e verdade» (Ex 34 6). É nesta revelação central que o povo eleito e cada uma das pessoas que o compõem encontram, após qualquer falta, a força e a razão par se voltarem para o Senhor para lhe lembrar o que ele precisa e propriamente revelou e implorar o seu perdão * Nm 14 18; 2 Cr 30 9; Ne 9 17; Sl 86 (85) 15; Sb 15 1; Ec 2 11; Jl 2 13.. Dessa forma, o Antigo Testamento incentiva os infelizes, sobretudo aqueles que estão cheios de pecados, a implorar misericórdia. Num certo sentido, a misericórdia divina encontra-se no lado oposto da justiça divina. De fato, em muitos casos, a misericórdia divina é não só mais potente mas ainda mais fundamental do que a justiça: o amor, maior do que a justiça ou ainda a justiça ao serviço da caridade.

É significativo que os profetas, na sua predicação, liguem a misericórdia, de que falam por causa dos pecados do povo, à imagem do amor ardente que Deus lhe tem. Nesta predicação, a misericórdia significa uma potência particular do amor, que é mais forte do que o pecado e a infidelidade do povo eleito. E de fato, se se encontrar frente à penitência, da conversão autêntica, Deus restabelece novamente o seu povo na sua graça (Jr 31 20; Ez 39 25-29).

A misericórdia divina no mistério pascal

Quando Jesus exerce a sua missão, vemo-lo cumprir as palavras do profeta Isaias lidas aos habitantes de Nazaré: «O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantandos do coração, a apregoar liberdade aos cativos e dar vista aos cegos; a pôr em liberdade os oprimidos; a anunciar o ano aceitável do Senhor» (Lc 4 18,19). É altamente significativo que estes homens sejam sobretudo os pobres que não têm qualquer meio de subsistência, os que são privados de liberdade, os cegos que não vêem a beleza da criação, os que vivem na aflição do coração ou que sofrem por causa da injustiça social e por fim, os pecadores. É sobretudo para com estes homens que o Messias se torna um sinal particularmente lisível pelo fato que Deus é amor; torna-se um sinal do Pai. O Cristo encarna e personifica a misericórdia. Para quem a vê e a encontra nele, Deus se torna visível como o Pai rico de misericórdia. «Quem me vê a mim, vê o Pai» (Jn 14 9).

É incontestavelmente no mistério Pascal, a paixão e a resurreição do Cristo, que se manifesta da maneira mais o amor misericordioso do Pai. De fato, a cruz constitui o meio mais profundo para a divindade de se interessar pelo homem e pelo que o homem, sobretudo nos momentos difíceis e dolorosos, apela o seu infeliz destino * Uma imagem bastante conhecida pode ajudar-nos a compreender melhor o sentido e o efeito do sacrifício da cruz: a da ave ferida. Os homens, desde a queda original, são como pássaros fechados numa gaiola num imenso aviário. Este aviário, mesmo imenso, permanece perfeitamente cercado com uma rede inviolável impedindo assim que as aves voem para o sol, onde pode encontrar espaço e liberdade. Porém, uma ave permite dar a todos a liberdade perdida. Esta ave, por amor pelos outros, va elevar-se com força e determinação para o cimo do aviário, atirar-se contra a rede inviolável e assim abrir uma brecha. Mas para abrir esta brecha, a ave faz dom da sua vida. O choque entre ela e a rede do aviário é tão brutal que o seu sacrifício provoca a sua própria morte. Sim, de fato, o cimo da sua cabeça, as suas asas, as suas patas, a sua plumagem coberta de sangue testemunham da intensidade do choque e, por aí, do imenso amor que tem pela totalidade das aves prisoneiras. Está aqui, inerta, ficando sem o sopro da vida. Ninguém se mexe no aviário. Todas olham assustadas para o despojo sem que ninguém se aperceba de que agora a liberdade está perto. Outro fato, tão extraordinário como o primeiro, ocorreu três dias depois: a resurreição da ave sacrificada. Deus, na sua infinita misericórdia, dá o sopro da vida a esta ave. Neste momento, que alegria no aviário! Que folia! E todas descobrem que a gaiola está aberta, todas podem agora voar..

A cruz é como o toque do amor eterno nas feridas mais dolorosas da existência terrestre do homem. É também a reamização até ao fim do programa messiánico que o Cristo enunciou na sinagoga de Nazaré e repetiu depois frente aos mensageiros de João Batista (Lc 7 20-23). O fato do Cristo ter ressuscitado no terceiro dia é o sinal que marca o fim da missão messiánica, sinal que constitui a coroação da revelação completa do amor misericordioso num mundo submetido ao mal. Constitui ao mesmo tempo o sinal que anuncia com antecedência «um novo céu e uma nova terra» (Ap 21 1), quando Deus «limpará dos seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas» (Ap 21 4).

A reconciliação, sinal privilegiado da misericórdia do Pai

No Evangelho de São Lucas, encontramos uma série de três parábolas que constituem o capítulo 15 intitulado: «As três parábolas da misericórdia » ou seja «a ovelha perdida», «a dracma perdida » e por fim «o filho pródigo». Esta última (Lc 15 11-32) permite salientar, não só a misericórdia do Pai para conosco, mas também os efeitos reais desta reconciliação com Deus.

O filho recebe do seu pai a parte da herança que lhe pertence e abandona a casa para gastar tudo num país longíquo, vivendo com um mau comportamento. Este filho representa o homem de todos os tempos, começando por aquele que perdeu a herança da graça e da justiça original. Mas esta parábola é extremamente larga. Toca indiretamente cada ruptura da aliança de amor, cada perda da graça, cada pecado. Ou seja, toca-me. O filho, «havendo gastado tudo..., começou a padecer necessidades», tanto que surge une grande fome «naquela terra» em que se encontrava após ter deixado a casa dos seus pais. Então, «desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam» que guardava para um dos cidadãos daquela terra». Mas até isso lhe era recusado, porque nessa região, a saúde dos porcos tinha mais importância do que a saúde daquele que tinha o cargo de os guardar. Vemos portanto que a analogia desloca-se pouco a pouco para o interior do homem. O património recebido do seu pai consistia em bens materiais, mas mais importante ainda do que estes ben sera a dignidade de filho em casa do pai. A situação material em que se encontra deveria dar-lhe consciência da perda desta dignidade. Nunca tinha pensado nisso quando pediu ao seu pai para lhe dar a sua parte da herança que lhe pertencia para ir embora. Parece não estar ainda consciente no momento em que diz para com ele: «Quantos jornaleiros do meu pai têm abundância de pão e eu estou aqui, pereço de fome». Compara-se aos bens que perdeu, que já não «possui», enquanto os empregados do pai, eles, «possuem». Estas palavras exprimem sobretudo a sua atitude para com os bens materiais. No entanto, além das palavras, surge o drama da dignidade perdida, a consciência do carácter filial desperdiçado. É então que toma esta decisão: «Quero ir embora, encontrar-me com o meu pai e dizer-lhe: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho» (Lc 15 18-19). Palavras que revelam mais profundamente o problema essencial. Na situação material difícil a que o filho pródigo chegou por causa da sua ligeireza, por causa do seu pecado, consolidou o sentido da dignidade perdida. Quando decide voltar para a casa do pai, pedir ao seu pai para ser recebido jamais em virtude do seu direito de filho mas com as condições de merceneiro, parecer agir em nome da fome e da miséria a que chegou. No entanto, este motivo é repleto da consciência duma perda mais profunda: ser merceneiro na casa do seu próprio pai é certamente uma grande humiliação e uma grande vergonha. No entanto, o filho pródigo está pronto a enfrentar esta humiliação e esta vergonha. Apercebe-se de que já não tem qualquer direito, senão o de ser merceneiro na casa do pai. Este raciocínio demostra realmente que, no centro da consciência do filho pródigo, surge o sentido da dignidade perdida, desta dignidade que surge da relação entre o filho e o pai. E após ter tomado esta decisão, põe-se a caminho.

A descrição salienta o estado de espírito do filho pródigo permite-nos compreender com exactidão em que consiste a misericórdia divina. Não existe qualquer dúvida sobre o fato da figura do pai de família nos revelar Deus como Pai. O pai do filho pródigo é fiel à sua paternidade, fiel ao amor que dava ao seu filho desde sempre. Esta fidelidade não se exprime unicamente na parábola pela prontidão do acolhimento, quando o filho regressa a casa após ter gasto a sua herança; exprime-se sobretudo por esta alegria, po resta festa tão generosa para com o filho pródigo após o seu regresso que suscita a oposição e a inveja do filho mais velho. O pai age evidentemente movido por uma profunda afeção, e isso pode explicar a sua generosidade para com o seu filho. No entanto, as causas desta emoção devem ser pesquisadas duma maneira mais profunda: o pai está consciente de que um bem fundamental foi salvo, a humanidade do seu filho. Mesmo que este tenha gastado a sua herança, a sua humanidade fica no entanto salva. Mais ainda, fica como recuperada. As palavras que o pai dirige ao seu filho mais velho indicam-nos: «Mas era justo alegrarmo-nos, e folgar-mos porque este teu irmão estava morto e reviveu; e tinha-se perdido e achou-se» (Lc 15 32). O amor que Deus nos tem também é capaz de se desbruçara em cada miséria humana, e sobretudo no pecado. Quando é assim é, aquele que é objeto da misericórdia não se sente humiliado mas «reencontrado e revalorizado». A parábola do filho pródigo exprime duma maneira simples, mais profunda, a realidade da conversão. Esta é a expressão mais concreta da obra do amor e da presença da misericórdia no mundo humano.

A reconciliação, fonte de graças

Na linguagem corrente, a graça é um favor feito a alguém para lhe ser agradável. Na linguagem teológica, Deus, tendo apelado o homem a participar na sua vida divina, estabeleceu pela sua graça alguns meios proporcionados para este fim. E a graça é um dom de Deus totalmente gratuito para nos ajudar a encontrar a salvação da nossa alma. Estes meios, é Jesus que nos os dá: nascemos para a vida supernatural pelo batismo; ficamos fortificados na nossa vida supernatural pela Crisma; a nossa vida supernatural é alimentada pelo Corpo do Cristo Eucaristia; o nosso grande remédio contra as doenças da alma é o sacramento de reconciliação. É por este último sacramento que a vida divina é reintegrada na nossa alma. Após confissão das suas faltas pelo filho, «Pai pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho» o pai diz aos seus serventes: «Trazei depressa o melhor vestido e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e alparcas nos pés». No tempo de Cristo, só os homens livres e ricos usavem sapatos (ou sandálias). Os pobres e os escravos nunca usavam e andavam descalços. Com estas palavras «ponde-lhe alparcas nos pés», o Pai liberta-nos da escravatura do pecado em que nos encontramos. E vai ainda mais longe. Ainda, no tempo de Cristo, só os mestres usavam um anel no dedo. Os serventes não usavam. O Pai instaura completamente o estado de vida inicial. Ele, que é o mestre absoluto de todas as coisas, Dá-nos a possibilidade de participar na sua vida divina. Sem qualquer mérito da nossa parte, Põe-nos o anel no dedo. Ou seja, Vem novamente habitar a nossa alma. Esta graça que nos Concede chama-se a «graça sanctifiante» porque faz de nós filho de Deus, irmão de Jesus Cristo e templo vivo do Espírito Santo. Sanctifica a nossa alma, «divinisa-a» (São Paulo), não que nos tornamos Deus mas parecidos com Ele, pela nossa união íntima com Ele e pelo dom que nos faz dele mesmo. Quando a possuimos, estamos em estado de graça.

O sacramento da reconciliação

Não entraremos aqui no ritual deste sacramento mais no que hoje chamamois «sacramento de reconciliação » teve e ainda tem vários nomes. A sua significação vai permitir-nos descobrir os vários efeitos deste sacramento * O texto que segue é extrato do CIC, § 1423 e 1424..

É chamado sacramento de conversão dado que realiza sacramentellement o apelo de Jesus à conversão (Mc 1 15), a intenção de voltar para o Pai (Lc 15 18) de quem nos afastámos por causa do pecado.

É chamado sacramento de Penitência quando consagra uma gesto pessoal e ecclésiale de conversão, de repentir e de satisfação do cristão pecador.

É chamado sacramento da confissão dado que a confissão dos pecados frente ao padre * Este padre não perdoa os pecados em seu nome mas «em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo». é um elemento essencial deste sacramento. Num sentido profundo este sacramento é também uma «confissão», reconhecimento e louvor da santidade de Deus e da sua misericórdia para com o homem pecador.

É chamado sacramento do perdão dado que pela absolution sacramentelle do padre, Deus concede ao pénitent «o perdão e a paz».

É chamado sacramento da Reconciliação porque concede ao pecador o amor de Deus que reconcilia: «Reconcilieis-vos com Deus» (2 Co 5 20). Aquele que vive do amor misericordioso de Deus está pronto a responder ao apelo do Senhor: «Vai reconciliar-te primeiro com teu irmão» (Mt 5 24).

Artigo 12.

Testemunhos do mundo a vir e fiéis às suas vocações, esforçar-se-ão de adquirir a pureza do coração, para serem mais livres de amar Deus e os seus irmãos * Adm 16; 1 Let 70..

Se a tua intenção for direita

Encontramos este condicional, «se bem fizeres», no conto da Génesis «Caím e Abel» (Gn 4). Este texto vai ajudar-nos a aprofundir o que chamamos a pureza do coração.

«E conheceu Adão a Eva, sua mulher, e ela concebeu e teve Caím . E teve mais o seu irmão, Abel. Os dois rapazes crescem, e enquanto Caím cultiva a terra, Abel torna-se pastor de ovelhas. Um dia, ambos apresentam uma oferta ao seu Criador, ou seja, um e outro sacrificam algo que lhes é caro para agradar a Deus, como se um homem apaixonado oferecesse um ramo de flores a uma menina para quem bate forte o seu coração. Caím queima produtos da terra e Abel oferece recém-nascidos do seu rebanho e até da sua gordura. Então o Senhor «atentou para Aber e para a sua oferta. Mas para Caím e para a sua oferta não atentou. E irou-se Caím fortemente e descaiu-lhe o seu semblante». Evidentemente, as exclamações que podem surgir ao ler a narração são as seguintes: mas por que razão Deus não aceita a oferta Caím ! Será uma falta de justiça por sua parte! Caím fico muito irritado, mas francamente, há razões para tal! Dado que Deus aceita para um, porque razão não aceita para o outro! De fato, se Deus tivesse aceite a oferta de Caím, este não teria matado o seu irmão, de seguida! Assim, não aceitar uma oferta faz parte das coisas que não se fazem! No entanto, ao ler a narração ficamos a saber por que razão Deus recusou a oferta: «Deus disse a Caím: «Por que te iras-te? E porque descaiu o teu semblante ? Se bem fizeres não haverá aceitação para ti? E, se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e para ti será o seu desejo e sobre ele dominarás?» Para Deus, a intenção é déterminante; ou seja, não é essencialmente o ato que conta mas a intenção que motiva o ato. Voltemos ao nosso exemplo do rapaz apaixonado que oferece um ramo de flores à menina. Imaginemos um instante que a menina tenha, dois pretendentes, cada um deles oferencendo, a poucas horas de intervalo, um magnífico ramo de flores. Meninas e Senhoras (que já foram meninas) que lêem esta linhas, sabem o que significa a expressão: «digam-no com flores». Por conseguinte, e mesmo que o coração da menina ainda esteja indeciso em relação aos seus sentimentos para com os pretendente, aceita o ramo de flores de um mas não do outro. De fato, na sua intuição totalmente feminina, discerne que para um deles, o ramo de flores só esconde o desejo de dormir come la enquanto para o outro, distingue no ato a expressão dum verdadeiro sentimento que vem do coração. Será que deveria aceitar os dois ramos em nome duma curiosa justiça? Não, é evidente. Portanto, se Deus não recebe a oferta de Caím, é por essa mesma razão. O ato de oferta de Caím não representa a expressão dum sentimento «puro» enquanto a oferta de Abel é impregnada desta pureza de intenção que torna a oferta agradável para aquele que a recebe. É realmente a expressão do seu amor para com o seu Criador. O Amor, sempre o Amor. Mais tarde, nas palavras do seu profeta Oséas, o Senhor nos dirá: «Porque eu quero misericórdia, e não o sacrifício; e o conhecimento de Deus, mais do que os holocaustos» (Os 6 6)

Tudo vem do coração

A pureza vem do coração. Tal é o coração, tal é o pensamento, a palavra, o olhar, a ação. É do seu coração que o justo tira o bem, e quanto mais tira, mais encontra, porque o bem que se faz dá origem a um bem novo. O homem mau tira do seu coração que é mau e só pode tirar do seu coração coisas más, pelas faltas que acumula: «maus pensamentos, mortes, adultérios, prostituição, furtos, falsos testemunhos, blasfémias. São estas coisas que contaminam o homem» (Mt 15 19-20). Em todos os casos, é o excesso conteúdo no coração que transborda dos lábios, e que se manifesta nas ações.

Na nossa peregrinação para Deus, o valor da nossa pureza de coração é determinante. Sátão sabe-o tão bem que começa sempre por nos tentar pela impureza. Sabe que uma falta de sensualidade desmantela a alma e faz dela uma presa fácil para as outras faltas. Deus, no entanto, não nos violenta. O homem é livre. Mas Deus nos restitui a força pela sua graça. Livra-nos da dominação de Satanás. Cada um de nós deve então retomar a sujeição do inferno ou pôr asas de anjo à sua alma. Tudo depende de si próprio para seguir o Cristo Jesus como irmão para que se torne o guia para chegar a Deus Pais.

Façamo-nos um coração humilde e puro, amante, confiante, sincero. Amemos Deus com o amor duma virgem para com o seu noivo. Na verdade, qualquer alma é uma virgem, casado com o Eterno vivo, a Deus nosso Senhor. A terra é o tempo do noivado, de que todas as horas, todas as contingências da vida são serventes que preparam o enxoval. A hora da morte, é a hora do casamento. A alma pode então retirar o seu véu e atirar-se para os braços do seu Deus.

PERGUNTAS

Perguntas de verificação dos conhecimentos ?

  1. Será que sou capaz de lembrar e comentar sucintamente as quatro virtudes cardinais? De que outra virtude, superior às outras quatro, provêm e para qual outra tendem? Por que razão?
  2. Ao exemplo de Francisco, qual é a virtude a praticar para não só resistir à primeira forma de tentação, mas também nos dar a oportunidade de ver desde hoje segundo Deus, de receber outrém como um próximo, de perceber o corpo humano (o nosso e o do próximo) como um templo do Espírito Santo e uma manifestação da beleza divina.
  3. O que é a alma e o que é a graça?

Perguntas para aprofundir

  1. «Os teus pecados estão perdoados». Esta frase, ouvimo-la muitas vezes pronunciada por Jesus no Evangelho. Portanto, é muitas vezes seguida duma ação por parte do penitente. Documentando-me se for necessário, será que posso dar os três «atos do penitente» durante o sacramento de reconciliação? Por fim, quais são os três principais efeitos do sacramento de reconciliação?
  2. Concretamente, como é que posso «adquirir a pureza do coração para ser mais livre para amar Deus e os meus irmãos»?
  3. Reflectir sobre o pensamento de reconciliação como «irmão ou irmã da penitência» é perfeitamente louvável. Mas será que a «mudança interior radical» de que é questão na nossa regra não requere que eu determine a data da minha próxima confissão sacramental?
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Realizado por www.edevint.fr Ilustrado por Laurent Bidot Tradução : Nathalie Tomaz