Frei Rufin (primeira página)

Capítulo III: missão e comunhão com o papa, os bispos e os padres

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São Francisco de AssisO título deste capítulo deixa pensar que dois temas muito diferentes serão estudados. A missão por um lado. A communhão com o Papa, os bispos e os padres por outro. A preocupação pedagógica manda-nos começar por uma narração evangélica que trata da missão: « Sois o sal da terra, sois a luz do mundo ». Seguiremos depois Francisco na sua rota para Roma. Comentaremos o encontro que teve, com os seus primeiros companheiros, com o Soberano Pontife. Por fim, descobriremos o artigo 6 da nossa regra. Veremos então que os dois temas, se podem ser estudados separadamente, estão de maniera surpreendente, ligados um ao outro.

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SOIS O SAL DA TERRA, SOIS A LUZ DO MUNDO

Esta dupla afirmação dirigida pelo Cristo aos seus discípulos é muito surpreendente: sois o sal da terra, sois a luz do mundo. Que Jesus diga ele dele próprio: Eu sou o sal da terra, sou a luz do mundo, compreendemo-lo facilmente e aceitámo-lo sem qualquer dificuldade. Mas que Ele diga isso de nós ? Todavia, Jesus não é um adulador que vive dependente daqueles que o ouvem. Vindo dele, tais afirmações só podem ser verdades. Estas palavras abalam, obrigam a pensar, a meditar e a…viver. Sim, não nenhuma palavra aduladora nestes termos, mas uma exigência de viver no mundo segundo os planos de Deus.

Jesus dirige-se aos seus discípulos. A cena ocorre numa das serras próximo da cidade de Cafarnaum.

Apóstulos e discípulos, ouvi: sois o sal da terra

Apóstulos e discípulos, ouvi: sois o sal da terra e a luz do mundo. Mas se faltais à vossa missão, tornar-vos-ei um sal insípido e inútil. Nada lhe poderá lhe devolver o sabor se Deus não lhe a pôde dar... O seu sal só é então uma mistura de pedras onde se encontra, perdido, o pobre grão de sal, de pedras que faz ranger entre os dentes, que deixa na boca um gosto de terra e torna os alimentos repugnante e desagradável. Já nem é bom para utilizações inferiores porque um conhecimento construido com base nos sete vícios até prejudicaria as missões humanas. E então o sal já pode ser deitado fora e ser pisado com os pés indiferentes dos homens.

Sois a luz do mundo

Sois a luz do mundo. Sois como este cimo que foi o último a perder o sol e o primeiro a receber a luz prateada da lua. Aquele que se encontra em cima brilha, e vemo-lo porque o olho, até o mais distraído pousa-se por vezes nas alturas. Eu diria que o olho material, do qual se diz que é o espelho da alma, refleta o desejo da alma, o desejo muitas vezes desapercebido, mas sempre vivo enquanto o homem não se torna demónio o desejo das alturas, alturas em que a razão coloca institivamente o Muito Alto. E procurando os Céus, levanta, pelo menos algumas vezes durante a vida, os olhos para as alturas.

Os olhos voltam-se para cima. Lembrem-se das vossas viagens. Para onde se dirigem os seus olhos, como para esquecer o comprimento do caminho, a monotonia, a fadiga, o calor ou a lama ? Para as cimas, mesmo se são pouco elevadas, mesmo se são longíquas. E como estamos aliviados de as ver aparecer, quando estamos numa planície uniforme! Será que há lama em baixo? Em cima, é a pureza. Será que há um calor abafante em baixo ? Em cima, está fresco. Será que o horizonte está limitado em baixo? Em cima, estende-se sem limites. Igreja

E só de olhar para eles, parece que o dia não seja tão quente, a lama tão viscosa, a caminhada tão triste. E depois, se uma cidade brilha no cimo duma serra, então não haverá olhos que a admiram. Diremos até que se uma localidade sem importância se torna mais bela se a colocamos, no ar, no cimo duma serra, quase aérea. É por essa razão que na verdadeira religião e nas que são falsas, cada vez que foi possível, constuimos templos num sítio elevado, e se não houvesse, colina ou serra, construiam-se pedestal de pedra, construindo à força dos braços, a plata-forma na qual seria edificado o templo. Por que razão agimos assim ? Porque queremos que o templo seja visto para que este lembre, pela sua vista, o pensamento para com Deus.

Disse também que eram uma luz. Aquele que acende, à noite, em casa, um cadeeiro, onde é que o coloca? Num buraco, no forno? Na gruta de serve de cave? Ou fechado num cofre? Ou então simples e unicamente debaixo dum alqueire? Não, porque então seria inútil acendê-lo. Mas coloca o candeeiro numa estante ou então pendura-o ao seu porta candeia porque, estando em altura, ilumina todos as pessoas que se encontram neste local. Assim, tudo o que é colocado em altura lembra Deus e dá luz, e deve estar à altura do seu dever.

Deve lembrar o Verdadeiro Deus, deve levar a luz de Deus

Você que deve lembrar o Verdadeiro Dieu, faça tudo de maneira a não ter em si o paganismo dos sete elementos. Ou seja, tornar-se-ia grandes locais profanos com madeiras sagradas, dedicadas a este Deus ou àquele, e levaria no seu paganismo os que o vêem como templos de Deus. Deve levar a luz de Deus. Um cadeeiro sujo, sem óleo, fuma e não dá luz. Cheira mal e não alumia. Um candeeiro escondido detrás dum tubo de quartzo sujo não cria o gracioso esplendor, o brilhante jogo de luz no mineral limpo, mas permanece detrás do véu de fumo negro que torna opaco o seu abrigo diamantino. A luz debaixo do alqueire

A luz de Deus resplendece onde se encontra uma vontade diligente para retirar cada dia, as escórias que produz o próprio trabalho, com os contactos inevitáveis, as reacçéoes, as decepções. A luz de Deus resplendece quando a lâmpada está guarnecida dum líquido abundante de oração e de caridade. A luz de Deus multiplica-se em infinidos esplendores quando lá estéao as imperfeições de Deus cujo cada uma suscita no santo uma virtude que se exerce heroicamente se o servidor de Deus mantém o quartz inatacável da sua alma ao abrigo do negro fumo de todas as más paixões confusas. Quartzo inatacável. Inatacável! Só Deus tem o direito e o poder de riscar este cristal, de escrever o seu Nome muito santo com o diamante da sua vontade. Então este Nome torna-se um ornamento que multiplica as facetas da sobrenatural beleza no quartz muito puro.

Desgraça para os maus pastores!

Desgraça! Três vezes desgraça para os pastores que perdem a caridade, que se recusam a subir, cada dia, para mandar o subir o rebanho que espera pela sua ascese para subir. Eu bater-lhes-ia fazendo-os cair dos seus lugares et apagando o seu fumo.

Desgraça! Três vezes desgraça aos mestres que rejeitam a Sabedoria para encher-se duma ciência muitas vezes contrária, sempre orgulhosa, por vezes satánica porque as reduz à humanidade porque – ouçam e recordem – enquanto o destino de qualquer homem é de se tornar parecido com Deus pela santificação que fez do homem um filho de Deus, o mestre, o padre deveria desde a terra, já possuir o seu aspeto, o único, o do filho de Deus. Deveria ter o aspeto duma criatura qualquer alma e qualquer perfeição. Deveria ter, para aspirar para Deus os seus discípulos. Anátema aos mestres em cargo de garantir o ensino suprahumano que se tornam idólos de saber humano.

Desgraça! Sete vezes desgraça para aqueles, entre os meus padres, cujo espírito morreu, que se tornaram insípidos, cuja carne sofre duma tepidez doentia, cujo sono é repleto de aparições alucinantes de tudo o que existe, exceto o Deus Uno e Trino; repleto de todas as espécies cálculos, exceto o desejo sobrenatural de aumentar as riquezas dos corações e de Deus. Vivem enterrados na sua humanidade, mesquinhos, entorpecidos, levando nas suas águas mortas os que os seguem, pensando que são a «vida». Maldição de Deus para aqueles que corrompem o meu rebanho amado. Não são aqueles que morrem por causa da sua indolência, ô servidores enfraquecidos do Senhor, mas a vocês pedirei contas e infligirei um castigo, por todas as horas e por o tempo gasto, por todo o mal que pôde surgir ou resultar!

Lembrem-se destas palavras. E agora, vamos. Vou até ao cimo. Mas vocês, durmam. Amanhã, para o rebanho, o Pastor abrirá os pastos da Verdade.» * Segundo Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italie, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volum 3, cap. 29, p. 145 a 150 (extratos).

Em Jesus Cristo, o reino de Deus aproximou-se

Já o evocámos: na pessoa de Jesus Cristo, o reino de Deus aproximou-se dos homens. A proclamação e a instauração do Reino de Deus são no entanto o ojeto da sua missão na terra: «...É necessário que eu pregue as boas-novas do Reino de Deus noutras cidades também, porque para isso fui enviado» (Lc 4 43). Esta proclamação será feita por Jesus pelas viagens no país de Israel, mas a sua palavra é dirigida a toda a humanidade. «Nos encontros de Jesus com os pagões, aparece claramente que o acesso ao Reino advem pela fé e pela conversão e não pela simples pertência étnica * Carta encíclica Redemptoris Missio do Soberano Pontife João Paulo II, § 13 (Pierre TEQUI Editeur 1990).». Mas será que se pode considerar que Jesus seja o único ser pelo qual póssamos ter acesso ao Reino dos Céus? OU seja, será que não se pode fazer a sua saudação em qualquer outra religião ? «Ninguém vem ao Pai, senão por mim» (Jn 14 6) responde-nos Jesus Cristo. De fato, o Cristo é o único mediador entre Deus e os homens «Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem, O qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos» (1 Tm 2 5-6).

Assim, não só o Cristo anunciou o Reino, mas é nele que o Reino se tornou presente e se realizou: «Antes de tudo, o Reino manifesta-se na pessoa mesmo do Cristo, Filho de Deus, e Filho do Homem, vindo para servir e dar a sua vida em resgate da multidão * Conc. Oecum. Vat. II, Const. dogm. Sobre a Igreja Lumen gentium, n. 5.». «o reino de Deus não é um conceito, uma doutrina, um programa que podemos livremente elaborar mas é antes de tudo, uma Pessoa que tem o rosto e o nome de Jesus de Nazaré, imagem do Deus invisível * Carta encíclica Redemptoris Missio, § 18.».

Ora, Deus, «que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade.» (1 Tm 2 4), ou seja do Cristo Jesus. É portanto necessário que o Cristo seja anunciado a todos os povos e a todos os homens e que dessa forma a Revelação chegue a qualquer parte do mundo. Esta Revelação dada para a saudação de todas as nações, Deus, com a mesma bondade, tomou as disposições para que permaneça sempre na sua íntegra e que seja transmitida a todas as gerações * CEC § 74..

A Igreja, sinal e instrumento da saudação

Dois trechos do Evangelho salientam com força que a Igreja é sinal e instrumento da saudação:

Primeiro, a instituição de Pedro enquanto chefe dos apóstulos: «Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus» (Mt 16 18-20). Relembremos lentamente as palavras de Jesus Cristo: sobre esta pedra edificarei a minha igreja. Assim será que ainda é possível construir uma igreja ao lado daquela que o Cristo institui, mas não pode ser reivendicado que se trata da Igreja do Cristo. A Igreja instituida por Jesus Cristo é única e somente aquela que reconhece Pedro enquanto chefe. E Jesus dá a Pedro um privilégio e uma responsabilidade fora do comum: E eu te darei as chaves do reino dos céus. É importante salientar que a exegese católica pretende que estas promessas eternas valem não só para a pessoa de Pedro (filho de Jonas), mas também para os seus sucessores. De fato, dado que esta consequência não esteja explicitamente indicada no texto, é no entanto legítima por causa da intenção manifesta que tem Jesus em garantir o futuro da sua Igreja por uma instituição que a morte de Pedro não saberia anular.

São Pedro Apóstolo O segundo trecho é aquele que conclui o envio em missão dos setenta e dois discíplos: «Quem vos ouve a vós, a mim me ouve; e, quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e, quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou » (Lc 10 16). Trata-se dum frase bastante forte. Será que o Magistério da Igreja se encontra acima da Palavra de Deus? Não, o Magistério da Ingreja não está acima da Palavra de Deus, mas ouve-a, serve-a, transmite-a por mandato recebido de Deus, com a ajuda do Espírito Santo. Anunciar o Evangelho não é portanto nenhum título de glória. É uma necessidade que reverte a todos os cristãos. Sim, «ai de mim se não anunciar o evangelho!» (1 Co 9 16).

«...Não podemos separar o Reino e a Igreja. De fato, a Ingreja não constitui propriamente o seu fim, dado que está ordenada ao Reino de Deus de que é o germe, sinal e instrumento. Mas então, dado que é distinta do Cristo e do Reino, a Igreja é unida indissoluvelmente a um e ao outro. O Cristo a doté a Igreja, o seu corpo, da plenitude e dos meios de benção; o Espírito Santos permanece no seu seio, revigora-a com as suas dádivas e dos seus carismas, sanctifica-a, guia-a e renova-a em continuidade. Resulta então uma relação singular e única que, sem excluir a ação do Cristo e do Espírito Santo fora dos limites visíveis da Igreja, lhe confere um papel específico e necessário. Resulta então um laço especial da Igreja com o Reino de Deus e do Cristo que tem por conseguinte a missão de anunciar e de instaurar em todas as nações * Carta encíclica Redemptoris Missio do Soberano Pontife João Paulo II, § 18 (Pierre TEQUI Editeur 1990).

O que é o apostolado?

Jesus Cristo institui dos apóstulos, termo que significa «emviado», «mensageiro», ou seja «encarregado de missão». Portanto, adivinhamos facilmente o significado do termo apostolado: o apostolado é a atividade da Igreja que consiste em levar a Luz ao mundo, a «alargar o reino do Cristo na terra * CEC § 863.». Todos os evangelistas, quando relatam o encontro do Ressucitado com os Apóstulos, concluem o envio em missão: «É-me dado todo o poder no céu e na terra. Portanto ide, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, e do filho e do Espírito Santo… e eis que eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos. * Mt 28 18-20; Mc 16 15-18; Lc 24 46-49; Jn 20 21-23.». Vemos aqui o carácter universal da tarefa entregue aos apóstulos: «Todas as nações» e a garantia dada pelo Senhor de que não estarão sós para cumprir esta tarefa: «eu estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos». Jesus Cristo ensinou aos apóstolos

Pelos apóstulos, é à Igreja, o seu corpo místico, que o Cristo entrega esta missão de alargar o Reino até aos confins da terra. Porque se «a Igreja é a primeira beneficiária do salut, o Cristo chamou-a para colaborar com ele na obra da salvação universal. Pois, o Cristo vive nela, é o seu esposo; garante o seu crescimento, cumpre a sua missão por ela * Carta encíclica Redemptoris Missio do nosso Soberano Pontife João Paulo II, § 9 (Pierre TEQUI Editor 1990).

No comentário que faremos do artigo n°6 da nossa Regra, no fim deste capítulo, nous poremos uma questão prática: «como ser missionário?». Mas podemos desde já fornecer os principais elementos de resposta a esta pergunta: tenhamos o sabor que o sal dá aos alimentos. Levemos a luz de Deus bem alto nas nossas vidas, ou seja nas nossas palavras, nos nossos atos e antes de tudo na nossa comunhão uns com os outros.

QUE TODOS SEJAM UM

Descobrimos agora como é que Francisco se submete ao Papa e qual é o profundo respeito que testemunha aos padres.

A igreja na figueira das seitas

Lembremo-nos: Francisco compreende a mensagem do crucifixo de São Damião, ao ouvir o padre proclamar a leitura do Evangelho. Após ter recebido confirmação pelo padre do significado desta página do Evangelho, Francisco vai pelos caminhos para pregar. Só alguns dias após o início da sua pregação, algumas pessoas deixam o mundo para acompanhá-lo. Notemos que Francisco não pede ao Senhor nenhum Irmão que o possa acompanhar, mas é o próprio Senhor que lhos dá * Teste 14: «Após que o Senhor me tenha dado irmãos...». Serão rapidamente um dúzia a viver na paz, na alegria, na probreza e a cuidar dos leprosos. Francisco redige então um texto, em poucas e simples palavras, texto que se resume por «Viver segundo o santo Evangelho * Teste 14: «...ninguém me ensinou o que devia fazer mas o próprio Muito Alto me revelou que devia viver segundo o Santo Evangelho».». Depois, Francisco vai querer cumprir uma missão que o distingue entre vários reformadores da altura. A maior parte destes reformadores vivem uma vida probre e casta e recomendam-se do Evangelho mas, ao mesmo tempo, criticam abertamente o clérigo sobre faltas frequentes de alguns dos seus elementos. É inútil salientar que não estimam o Papa por ser o chefe de um tal bando de pecadores. Estas pessoas posicionam-se então em reformadoras da Igreja. No entanto, excepto o fato de desenvolverem muitas vezes uma curiosa teologia (lembremos-nos da heresia catara), a reforma deseja construir-se fora da Igreja, ou, o que vai dar ao mesmo, lançar a Igreja na fogueira para criar uma nova, a sua própria igreja, a única capaz de levar os homens à salvação.

Francisco, vai fazer algo que o distingue verdadeiramente de todos estes reformadores: irá ver o Papa daquela altura, Inocente III, para lhe pedir a aprobação da sua regra de vida. É importante salientar o que ele fez, porque não é menos importante do a própria aprobação pontifícia. Francisco e os seus onze primeiros companheiros desejam viver o Evangelho sem arrancar as páginas perturbantes para alguns, como por exemplo: «Tu és Pedro, sobre esta pedra edificarei a minha igreja ». Esta frase de Evangelho parece mesmo difícil de viver para os reformadores que portanto se qualificam «do Evangelho» E como é que Francisco viveu esta frase, concretamente, simplesmente desde o início da Ordem. No entanto, a primeira palavra do Papa recebendo Francisco e os seus companheiros é do género «resfrescante» e dissuadiria talvez mais do que um de se submeter a uma pessoa tão direta e exigente! Mas não vale a pena ir demasiado depressa.

O caminho até Pedro

Francisco dirige-se aos seus onze companheiros: «Mes irmãos, vejo que o Senhor, na sua bondade, deseja aumentar o nosso grupo. Vamos então até à nossa Mãe, a santa Igreja romana, demos a conhecer ao Soberano Pontife o que o Senhor começou a realizar pelo nosso intermédio, para perseguir na sua ordem e pela sua vontade o que começámos * 3 S 46.» O discurso agrada aos irmãos e todos, com o coração alegre, põem-se a caminho de Roma, a pé. A cidade de Roma fica a cerca de 200 quilómetros de Assís. Estes irmãos que percorrem o caminho não se fartam de pronunciar as palavras do Senhor. Chegados a Roma, a providência vai ajudá-los a serem recebidos pelo Papa, porque, se se deslocam para o ver, não levam com eles nenhuma carta de recomendação, nenhum «passe», nenhum «visa», nenhum encontro marcado.

Quanto ao Papa, está a viver * A viagem a Roma ocorreu em 1209-1210. um dos períodos mais turvos e difíceis do seu pontificado. No plano político, acaba de viver a amarga e desiludora experiência da quarta cruzada. Está também muito preocupado com a Alemanha onde tem lugar uma grande luta pela sucessão do império. No plano religioso sobretudo, grandes preocupações provêm do Sul de França onde as heresias valdense e cátara, mesmo combatendo entre elas, encontram em qualquer momento oportunidades para alargar o seu campo de ação. Pierre de Castelnau, legado pontifício, foi assassinado por um do conde de Toulouse que pensava ser agradável ao seu Senhor * Assassinar um legato pontifício para «ser agradável ao meu Senhor» deixa imaginar qual o ambiente no sul, dado que se trata «dum crime, naquele tempo, duma gravidade inimaginável: Um legato, de fato, era considerado quase como um alter ego do Soberano Pontife» (Edições Franciscanas 1981, São Francisco de Assis, Raoul Manselli, p. 97).. Nesta Primavera 1210, estas graves tensões constituem realmente o problema mais preocupante para Inocente III. Então pense no nosso pobre Francisco e nos seus companheiros!

A providência faz com que se encontrem com o Bispo de Assís, então em viagem em Roma, que se preocupa pela sua presença aqui, neste lugar. Será que têm a intenção de sair de Assís? Não, Louvado seja Deus! É somente para se encontrarem com o Papa! Então o Bispo apresenta-os a um cardinal da cúria, Monsenhor João de São Paulo que os recebe durante vários dias em sua casa, aprende a conhecê-los em profundura assim como o seu projeto de vida. É este cardinal que consegue organizar um encontro entre o apóstulo e os doze irmãos, simplesmente, numa sala chamada sala do «Espelho», no palácio do Latrão. O Papa passeia então O Papa passeia de um lado para o outro, pensando profundamente * Estes pormenores são-nos fornecidos por São Boaventura, LM 3 9..

O primeiro encontro

São Francisco de Assis e Inocêncio III

Francisco expõe então o seu projeto religioso: viver segundo a regra do Santo Evangelho e observar em qualquer coisa, a perfeição evangélica. O Senhor Papa ouve-o atentamente até ao fim. O Soberano Pontife, homem de medida e de prudência, responde a Francisco e aos seus companheiros da seguinte forma: «o vosso tipo de vida é demasiado duro e demasiado escabroso! Não se pode ao mesmo tempo fundar uma ordem e possuir nada deste mundo. De onde provem os recursos necessários para viver?» Francisco responde: «Senhor, entregue-me ao Senhor Jesus Cristo: se se comprometeu a nos dar a vida e a glória do céu, não nos desiludirá, no momento, do indispensável à nossa existência material nesta terra.» O Papa responde então: «Bem dito, meu filho! No entanto, o homem, por natureza, é muito instável e nunca persiste nas mesmas disposições.» * AP 34b.Certos cardinais presentes acrescentam que se trata duma novidade e dum empreendimento acima das forças humanas. Inocêncio IIIOra, o cardinal João de São Paulo reage a favor do projeto: «Se recusamos como uma novidade ou uma aposta a proposta deste pobre: viver de acordo com o Evangelho do Cristo, expomo-nos então, a ofender o Evangelho do Cristo. Porque dizer que é novidade, folia ou uma aposta praticar a perfeição do Evangelho, é blasfemar contra o Cristo, o autor do Evangelho.» * LM 9. O Papa continua então: «Filho, vai então e reza Deus de te revelar se o que vocês procuram procede realmente da sua vontade, de modo que, conhecendo a vontade do Senhor, possámos aprovar os teus desejos.» * 3 S 49.

Aos ver de muitos, este primeiro encontro seria de natureza a apagar a bela chama de entusiasmo que arde no coração dos nossos companheiros. De fato, nada se passou. O Papa não recusou. Mas o homem, como dissemos, é prudente e apreciado. Não aproba com facilidade o primeiro místico que aparece, mesmo se for apresentado e recomendado por um ou outro dos seus cardinais. Começa por levantar um problema prático: «De onde provem os recursos necessários para viver?» Tendo notado a instabilidade do homem desde do início do seu pontificado, pode falar do assunto * Othon de Brunswick, tinha vindo para a Itália para ser solenemente coroado imperador pelo Papa. Tinha então feito a promessa solene de obedecer à Igreja. Logo após, não respeita os seus compromissos anteriores e, contra a vontade expressa de Inocente III, decide atacar o reino de Sicília cujo rei é Frederico Rogério, o futuro Frederico II, então com catorze anos de idade.. Então, porque dar imediatamente confiança a este Francisco e aos seus companheiros? Chamando-o «filho», manda Francisco rezar e convida-o a voltar se Deus lhe revela que o que eles desejam viver provem realmente da sua própria vontade. A condição imposta pelo Papa concretiza-se por uma resposta proveniente duma parabola inspirada.

Era uma vez uma mulher pobre mais bonita

Como lhe foi sugerido pelo Papa, Francisco va então rezar e regressa alguns dias mais tarde com os seus irmãos para contar ao Papa a parabola que o Senhor lhe inspirou: «Era uma vez, no deserto, uma mulher pobre mais muito bonita. Um grande rei ficou seduzido pela sua beleza e desejou casar com ela, porque esperava ter lindos filhos. Foi o que ocorreu. Muitos filhos nasceram e cresceram. Um dia a mãe disse-lhes: «Meus filhos, não tenham vergonha! São Francisco de Assis e Inocêncio III

Sois os filhos do rei. Ide até à corte e dar-vos-á tudo o que for preciso.» Quando os filhos chegaram à corte, a sua beleza espantou o rei, porque via neles o seu próprio rosto: «De quem sois os filhos?» perguntou «Quando responderam que eram os filhos da pobre mulher que morava no deserto, o rei repleto de alegria beijou-os e disse-lhes: «Não tenham mêdo, sois os meus filhos! E se estrangeiros comem à minha mesa, ainda mais vocês que são os meus filhos legítimos.» Sonho de Inocêncio III LatrãoE o rei mandou que a mulher e os seus filhos que tinha tido com ela venham viver para a corte * Este episódio da vida de Francisco foi consignado em 1219 por Eudes de Chériton (condado de Kent) na sua antologia de sermões para os Evangelhos do domingo. Eis o seu texto, mais grosso e colorido do que aquele que está nas biografias de Francisco e que possuimos: Fizemos esta contestação ao Irmão Francisco: Quem vai sustentar os teus irmãos, porque aceitas sem distinção todos aqueles que se apresentam? Responde então: Uma mulher foi um dia violado por um rei numa floresta. Teve um filho que sustentou algum tempo, depois veio à corte para que o rei o sustentasse desde então. O rei respondeu: «Há tantos malandros e inúteis no meu palácio: é justo que o meu filho seja sustentado como eles, à minha mesa.» Para explicar esta parabola, diz que esta mulher era ele: o Senhor fecundou-a com a sua Palavra, e engendrou filhos espirituais. E dado que o Senhor já tantos injustos, não é de admirar que sustente também os seus próprios filhos. (Edit. Franciscanas1981, São Francisco de Assís - Documentos, Théopile DESBONNETS e Damien VORREUX (ofm), 2 C 16, note 2, p. 336).. Após ter contado, Francisco continua comentando a parabola: «Muito Santo Pai, esta mulher pobre que o Senhor cheio de amor adornou na sua misericórdia e de quem desejou engendrar filhos legítimos, sou eu. O rei dos reis disse-me que alimentaria todos os filhos que engendrará de mim, dado que, se alimenta os estrangeiros, convem que alimente aqueles que são seus filhos legítimos. Se Deus dá os bens temporais, até aos pecadores, dar-los-á generosamente a estes homens evangélicos que o merecem.» * Segundo 3 S 50 et 51.

A mulher pobre ao socorro do Latrão

Ouvindo esta parabola, o Papa ficou surpreendido. Francisco relata de maneira clara e precisa, sem desaprovar as suas palavras anteriores, mas pelo contrário confirmando-as no espírito, como tem intenção de resolver o problema prático levantado: abandonando-se à bondade do Criador que «porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos» (Mt 5 45). Muito surpeendido, estávamos nós a dizer! Certamente que o Papa deve sê-lo também pela constância de Francisco. Mas há outra coisa. Desde a primeira visita de Francisco, Inocente III teve um sonho. Não seria bem um sonho, mas um pesadelo que tenta explicar: a igreja do Latrão * A Igreja do Latrão é uma das quatro principais basílicas de Roma. No tempo de Francisco, o Papa não residia no Vaticano, mas no Latrão. É portanto normal que seja esta que o Papa viu cair por constituia o símbolo do barco de Pedro. ameaçava cair em ruinas, e era um religioso baixo, de aspeto miserável que a mantinha com as suas próprias costas. Inocente III acordou, assustado e como paralisado. Com todos os ataques sofridos pela Igreja, esta estava abalada e ameaçava tornar-se um monte de ruinas unicamente susceptível de inspirar os versos de alguns poetas apaixonados pelo passado. E aqui está Francisco que, sem esperar, se apresenta novamente. Quando o Papa vê Francisco, este miserável pequeno religioso com pressa de servir Deus, aproxima a sua viséao da parabola inspirada que acaba de lhe contar Francisco e começa a dizer para com ele: «Eis o homem religioso e santo por quem a Igreja de Deus será levantada e apoiada!»

O Papa cumpre então um gesto que difere realmente da sua atitude do primeiro encontro: abraça Francisco. Depois, aprova a sua regra e dá-lhe, assim como aos seus irmãos, a autorização de pregar em toda a parte a penitência, dando no entanto como condição que os irmãos que pregam tenham a autorização de Francisco.

A Igreja no coração de Francisco

Esta visita e submissão ao Soberano Pontife dá à fraternidade primitiva uma fisionomia plenamente evangélica. Dá-lhe «um rosto que a distingue nitidamente dos vários movimentos evangélicos da época. Todas as seitas – e são numerosas – pregam o regresso ao Evangelho da pobreza, da missão e da fraternidade. Neste plano, nada distingue Francisco dos seus companheiros dum Pedro Valdo, por exemplo, também ele mercante, convertido ao Evangelho. Mas o que os separa radicalmente é a atitude respeitiva em relação à Igreja institucional.

Francisco não se erige em censor; nem se considera como reformador ou profeta. Considera-se demasiado pequeno para tal. De fato, vê os abusos da Igreja que o fazem sofrer. Mas não vitupera contra ninguém. Face à corrupção de certos clérigos, ele e os seus companheiros recusam desempenhar o papel de «puros» e de «autênticos». De fato, não têm a mesma idéia sobre isso. Dão-se simplesmente como «penitentes vindos de Assís». Querem ser, em toda a aceitação do termo, «irmãos mineiros». Em todos os escritos de Francisco, poderíamos procurar qualquer linha, qualquer palavra que possam exprimir uma atitude de juiz em relação à Igreja e à sua hierarquia; e nem um rasto de contestação. Encontramos non entanto um muito grande respeito da Instituição e uma vontade claramente exprimida de submissão filial, inspirada por uma fé profunda.» * Desclée De Brouwer 1986, Francisco de Assís – O regresso ao Evangelho, Eloi LECLERC, Ch. 6, P. 120. É verdade que todos não têm a oportunidade de ser recebidos pelo Papa! Mas o encontro com o soberano Pontife não dá a Francisco e seus irmãos qualquer arrogância. Pelo contrário, Francisco pedirá ao Papa de lhes dar um bispo, o de Óstia, para o representar junto da Ordem, ele, o Soberano Pontife para que a ordem não oportune o Papa por pequenas coisas * 2 C 25..

É importante salientar que esta atitude filial de Francisco não se limita ao servidor dos servidores. Longe disso! Não seria bom fechar esta parte de capítulo sem avocar os sentimentos alimentados por Francisco em relação ao clérigo. Convida então todos os seus irmãos assim como todos os que se juntarão à Ordem após a sua morte a partilhar estes sentimentos com ele. Uma passagem da vida do rei David resume perfeitamente este sentimento que Francisco tem pelos padres, e sobretudo a razão profunda que está na sua origem. Voltaremos a falar de Francisco após ter contado este evento que não constitui só uma simples anedota. David e Golias

... Porque é o ungido do Senhor

Lembremo-nos. David mata em combate singular o gigante Goliat e salva com este ato o povo hebreu das mãos dos filistinos. Então, todas as mulheres de Israël dansam cantando: «Saul feriu os seus milhares, porém David, os seus dez milhares. » (1 Sm 18 7). Quando o rei Saul ouve estes cânticos, fica irritado por ver que se cantam as míriades para David e unicamente os milhares para ele. Invejoso do sucesso de David, acaba, para preservar a sua vida, acaba por persegui-lo e matá-lo. Ora, um dia em que David e seus amigos escondem-se no fundo duma gruta, Saul passa com os seus homens, sempre à procura de David. Mas a natureza é feita de tal maneira que até um rei deve ir à casa de banho tal como o mais pequeno dos homens nesta terra. Saul tem portante uma vontade natural de aliviar e entre, sem saber, na gruta ocupada por David. Os amigos de David pedem-lhe para aproveitar a oportunidade inesperada de matar aquele que lhe quer tanto mal. Mas David não faz nada. Aproxi-ma sem barulho atrás de Saul e com a sua faca, corta rapidamente um pedaço do casaco de Saul. David e SaulO reis ai então da gruta e monta novamente no seu cavalo. Davis sai e chama-o: «Rei, meu senhor! E, olhando Saul para trás, David se inclinou com o rosto em terra, e se prostrou. 9E disse David a Saul: Por que dás tu ouvidos às palavras dos homens que dizem: Eis que David procura o teu mal? 10Eis que, este dia, os teus olhos viram que o Senhor, hoje, te pôs nas minhas mãos, nesta caverna, e alguns disseram que te matasse; porém a minha mão te poupou: porque disse: Não estenderei a minha mão contra o meu senhor, pois é o ungido do Senhor. Olha, pois, meu pai, vê aqui a orla do teu manto na minha mão; porque, cortando-te eu a orla do manto, te não matei. Adverte, pois, e vê que não há na minha mão, nem mal nem prevaricação nenhuma, e não pequei contra ti; porém tu andas à caça da minha vida, para ma tirares. Julgue o Senhor entre mim e ti, e vingue-me o Senhor de ti; porém a minha mão não será contra ti. Como diz o provérbio dos antigos: Dos ímpios procede a impiedade; porém a minha mão não será contra ti. E tu mostraste, hoje, que usaste comigo bem; pois o Senhor me tinha posto nas tuas mãos, e tu me não mataste, Porque, quem há que, encontrando o seu inimigo, o deixaria ir por bom caminho? O Senhor, pois, te pague com bem, pelo que hoje me fizeste. Agora, pois, eis que bem sei que, certamente, hás de reinar, e que o reino de Israel há de ser firme na tua mão. * Segundo 1 Sm 24.

A unção na simbólica bíblica e antiga

David recusa levantar a mão no rei Saul porque é o ungido do Senhor. Mas de que se trata? O que é «o ungido »? Digamos primeiro que no antigo testamento todos os padres são ungidos, assim como os reis, mas não como os outros homens. O ungido designa aquele recebeu uma unção. Esta unção dá àquele que a recebe um carácter sagrado: é o ungido do Senhor. Duas coisas devem ser consideradas nesta unção: primeiro, deve considerar-se o gesto da própria unção. Enfim, deve considerar-se o que a unção designa e imprime: o selo espiritual.

A unção é rica de várias significações: o óleo representa a abundância e a alegria. Purifica. Amacia * Na Antiguidade, os atletas e os lutadores untavam-se o corpo de óleo.. É sinal de cura, dado que amacia as contusões e as feridas * Lc 10 34 «E, aproximando-se, atou-lhe as feridas, deitando-lhes azeite e vinho...». Torna radiante de beleza, de saúde e de força.

Com esta unção, o confirmando recebe a «marca», ou seja o selo, daquele que lha dá. O selo constitui o símbolo da pessoa (Gn 38 18), sinal da sua autoridade, da sua propriedade sobre um objeto. Assim se marcavam os soldados com o carimbo dos seus chefes assim como os escravos com os dos seus mestres * Segundo CEC § 1293 e 1295.. Tratando-se do rei Saul, o carimbo é o de Deus, e mais precisamente o do Espírito Santo. Saul «pertence » a Deus. É por causa desta pertença que David recusa-se a bater nele apesar de todo o mal que o outro lhe quer fazer. A unção que Saúl recebeu é mais importante do que todo o resto para David, inclusive o que se chama hoje em dia «a legítima defesa ».

Por causa do seu carácter sacerdotal

É exatamente este sentimento que Francisco testemunha aos padres, seja qual for a vida que estes possam levar! Nenhum texto, na obra de Francisco e nas suas biografias, resume melhor este profundo respeito do que o seu próprio testamento:

«Depois, o Senhor deu-me e não deixa de me dar, por causa do seu carácter sacerdotal, uma tão grande fé aos padres que vivem segundo a regra da Santa Igreja romana, que, mesmo persecutando-me, dirigir-me-ia a eles. Se tivesse tanta sabedoria como Salomão, e se me encontrasse com alguns padres pobres vivendo no pecado, não desejaria pregar nas suas paróquias se não me dessem a autorização. Eles e outros mais, quero respeitá-los, amá-los e honrá-los como os meus senhores. Não quero considerar neles o pecado, por é o Filho de Deus que distingo neles, e são realmente os meus senhores * Teste 6 a 9.

Francisco não vê e não quer ver a palha que está no olho do seu irmão. Pelo contrário, deseja somente descobrir a pessoa viva e ativa do Cristo nos seus irmãos, e mais precisamente os que são padres. Explica-nos no entanto porquê: por causa do seu carácter sacerdotal. De fato, tudo o que pudemos ler relativamente à unção dos padres e dos reis do antigo Testamento pode ser aplicado à Igreja segundo Francisco! Aquele que era esperado acabou por chegar e veio realmente para que póssamos participar na sua unção.

O espírito de Deus está sobre mim

Batismo iniciação sacramentalEvidentement, houve «ungidos» do Senhor na Antiga Aliança, o rei David evidentemente (1 S 16 13). Mas Jesus é o Ungido de Deus dum modo único. É Dele de quem se trata no livro de Isaias: «O Espírito do Senhor está sobre mim; porque o Senhor me ungiu » (Is 61 1 e Lc 4 18). Por Jesus feito homem, a humanidade é totalmente «ungida do Espírito Santo ». A plenitude do Espírito não devia unicamente permanecer a do Messias. Devia ser comunicada a todo o povo messiánico. Esta comunicação realiza-se concretamente pela vida sacramental, e nomeadamente pelos sacramentos da iniciação: o Batismo, a Crisma e a Eucaristia.

Confirmação iniciação sacramentalNo rito do Batismo, a unção dos Santos Óleos representa o donativo do Espírito Santo ao recém-batizado. É a vida de Deus que nasce nele. Tornou-se cristão, ou seja «ungido » do Espírito Santo. Com esta sacramento do batismo, o cristão é integrado ao Cristo que é ungido padre, profeta e rei * Segundo CEC § 1241..

Pela Crisma, o cristão participa um pouco mais na missão de Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo que o satisfez, para que toda a sua vida exale «o bom cheiro do Cristo» * Segundo CEC § 1294.. Enquanto o batismo procura o «sacerdócio comum dos fiéis», a Crisma procura a força de confessar a fé de Cristo publicamente, e em virtude duma carga.

Iniciação Eucaristia Sacramento Por fim, a Eucaristia termina a iniciação cristã. Aquel que foi elevado até a dignidade do sacerdócio real pelo Batismo e configurado mais profundamente com o Cristo pela Crisma, participa com toda a comunidade no sacrifício memo do Senhor via a Eucaristia * Segundo CEC § 1322.. Alimenta a sua vida sobre natural. A Eucaristia é «fonte e topo de toda a vida cristã». Os outros sacramentos assim como todos os ministérios eclesiásticos e as tarefas apostólicas estão ligados à Eucaristia e ordenados a ela. Porque a santa Eucaristia detem o tesouro espiritual da Igreja, ou seja o próprio Cristo, a nossa Páscoa * CEC §1324.. Ora, só os padres receberam este ministério de consagrar o pão e o vinho. Francisco salienta no seu testamento que não quer considerar o pecado dos padres. E salienta:

«Se o faço, é porque do Muito alto Filho de Deus, não vejo nada de sensível neste mundo, a não ser o seu Corpo e o seu Sangue, muito santos, que os padres recebem e de que são os únicos ministros.» * Teste 10.

Outros dirão que não agia para as próprias pessoas mas (unicamente) para Deus. De fato, vemos realmente aqui a aplicação concreta da Fé e da Caridade. Para Francisco, «amar Deus» conjuga-se necessariamente com «amar o seu próximo».

Vejamos agora o conteúdo do artigo 6 da nossa regra. Tentaremos desvendar este aparente mistério da reunião, neste mesmo artigo, dos temas da missão e da comunhão.

MISSÃO E COMUNHÃO COM O PAPA, OS BISPOS, OS PADRES

Artigo 6.

Mortos e rescuscitados com Cristo no batismo que os torna MEMBROS VIVOS DA IGREJA, estão ainda mais unidos a ela pelo seu compromisso. Esforçar-se-ão portanto em ser as testemunhas ativas da sua missão entre os homens, anunciando o Cristo pela vida e pela palavra.

Inspirados por São Francisco e chamados a acompanhá-lo para renovar a Igreja, comprometer-se-ão a vive rem plena comunhão com o Papa, os bispos, os padres, num diálogo confiante e aberto de criatividade apostólica * Paulo VI, discurso para os terciários, 19/5/1971, III..

Mortos e rescuscitados com o Cristo no batismo

Batismo iniciação sacramentalEm grego, batismo significa mergulho. O batismo de conversão dado por São João Batista no Jordão imergia as pessoas que o recebiam. Assim, e durante muito tempo na Igreja, os catecúmenos recebiam o batismo por imersão completa num batistério de tamanho apropriado. Assim, pelo batismo, o cristão é mergulhado no mistério do Cristo morto e rescuscitado. Mas «Mortos e rescuscitados com o Cristo no batismo », o que é que isto significa?

Podemos partir duma constatação de que um elemento essencial do sacramento do Batismo é a usagem da água. Quando o padre batiza em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo, fá-lo deitando água na testa do batizado, água que é então o signo visível da graça invisível. É talvez na oração de benção da água batismal, pronunciada pelo padre durante a liturgia da Noite de Páscoa, que encontramos o resumo mais explicito que nos permite compreender esta afirmação: «Mortos e rescusitados com Cristo no batismo». Esta benção da água batismal mostra-nos perfeitamente que a água pode ser, ou símbolo de morte ou símbolo de vida.

A Igreja começa por fazer solenemente memória dos grandes eventos da história da saudação da Antiga Aliança que já prefiguravam o mistério do Batismo:

«Pela tua potência invisível, Senhor, realizaste maravilhs nos teus sacramentos, e durante a história da saudação, utilizaste a água, tua criatura, para nos dar a conhecer a graça do batismo:

Desde o começo do mundo, era o teu Espírito que flutuava nas águas para receber em germe a força que sanctifica * «Desde a origem do mundo, a água, esta criatura humilde e admirável, é fonte da vida e da fecundidade. A Santa Escritura vê-a como «protegida» pelo Espírito de Deus.» CEC §1218..

Pelas ondas do dilúvio, anunciavas o batismo que faz reviver, porque a água prefigurava também a morte do pecado e o nascimento de toda a justiça * «A Irgreja viu na Arca de Noé uma prefiguração da saudação pelo batismo. De fato, para ela, «algumas pessoas, oito pessoas ao todo, foram salvam da água». CEC § 1219. E «se a água de nascente simboliza a vida, a água do mar é o símbolo da morte. Por essa razão este símbolo podia representar o mistério da Cruz. Por este simbolismo, o Batismo significa a comunhão com a morte de Cristo.» CEC 1220..

Aos filhos de Abraão, mandaste passar o mar Vermelho a pé para que a raça libertada da sujeição prefigure o povo dos batizados * «É sobretudo a travessia do mar Vermelho, verdadeira libertação de Israel da escravatura do Egito, que anuncia a libertação realizada pelo Batismo» CEC § 1221..

O batismo de Jesus CristoA benção lembra então o Batismo de Cristo:

O teu Filho bem-amado, batizado por João nas águas do Jordão, recebeu a onction do Espírito Santo.

Quando estava na cruz, do seul ado aberto, deixou correr sangue e água; uma vez ressuscitado, disse aos seus discípulos: «Ide, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, e do filho e do Espírito Santo.» * «Todas as prefigurações da Antiga Aliança encontram o seu fim no Cristo Jesus. Começa a sua vida pública após ter sido batizado por São João Batista no Jordão, e após a sua resureição atribui esta missão aos apóstolos: «Portanto ide, ensinai todas as nações, baptizando-as em nome do Pai, e do filho e do Espírito Santo, Ensinando-as a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado;» (Mt 28 19-20). CEC 1223.

A benção persegue evocando o Batismo na Igreja:

Agora, Senhor, vê coma mor a tua Igreja e faz surgir nela a fonte do batismo.

Que l’Esprit Saint donne, par cette eau, la grâce du Christ afin que l’homme, créé à ta ressemblance, y soit lavé, par le baptême, des souillures qui déforment cette image, et renaisse de l’eau et de l’Esprit pour la vie nouvelle d’enfant de Dieu * «Foi na sua Páscoa que o Cristo abriu a todos os homens as fontes do Batismo. De fato, já tinha fala da Paixão que iria sofrer em Jerusalém como dum Batismo com que deveria ser batizado (Mc 10 38). O Sangue e a água que correram do lado furado de Jesus Crucificado (Jn 19 34) são tipos do Batismo e da Eucaristia, sacramentos da vida nova: na verdade, te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus (Jn 3 5)». CEC § 1225.

Depois o Padre conclui a benção mergulhando o círio pascal na água dizendo:

«Nós te pedimos, Senhor: pela graça de teu Filho, que o poder do Espírito Santo venha sobre esta água, a fim de que todo homem que seja batizado, sepultado na morte com o Cristo, ressuscite com ele para a vida.» * Segundo o apóstulo São Paulo, pelo Batismo, o crente comunga à morte de Cristo; está enterrado e ressucita com Ele: «Batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo baptismo na morte; para que como Cristo ressuscitou dos mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida » (Rm 6 3-4). CEC § 1227.

Assim, pelo batismo, Cristo manda-nos participar na sua morte e na sua reureição.

Mais profundamente unidos com a Igreja pelo seu empenho

Dove Espírito SantoO superlativo utilizado (mais profundamente unidos) poderia surpreender. Será que o empenho está acima do batismo para que, pore le, sejamos mais profundamente unidos com a Igreja? É natural que uma interpretação desta natureza deve ser afastada. Lembrá-la seria considerar (orgulhosamente) que os irmãos e irmãs de São Francisco, pelo seu empenho, são super-cristãos acima dos outros todos. Na realidade, o empenho franciscano é, neste lugar, assimilado ao sacramento de Crisma. No entanto, não se trata de dizer, ou de deixar pensar que o empenho franciscano «substitui» o sacramento de Crisma, ou então «constitui ele próprio um sacramento». Mas podemos afirmar que o empenho franciscano é como uma manifestação sensível, como uma aplicação concreta do sacramento de Crisma. É neste sentido que esta passagem deve ser lida. Dois argumentos principais atestam da veracidade desta interpretação: primeiro, o vocabulário utilizado; depois, a posição da própria afirmação no contexto deste artigo n°6.

Voltemos ao vocabulário utilizado neste artigo n°6 e comparemo-lo depois àquele que encontramos na definição do sacramento de Crisma e das Graças que procura. «Eles (os irmãos seculares de São Francisco) estão ainda mais profundamente unidos a ela (a Igreja) pelo seu empenho». No entanto, encontramos no catecismo da Igreja católica as seguintes indicações: «pela Crisma, o Crsitão participa cada vez mais à missão e Jesus Cristo e na plenitude do Espírito Santo que o encheu * CEC 1294. Cf § acima «O Espírito de Deus está sobre mim».»; e mais além: «Aquele que foi levado até à dignidade do sacerdócio real pelo Batismo e configurado mais profundamente ao Cristo pela Crisma... * CEC 1322. Cf § acima «O Espírito de Deus está sobre mim ».» No entanto, podemos ler na introdução do rito da Crisma: «É preciso explicar aos fiéis que a receção deste sacramento é necessário para a realização da graça batismal. * CEC 1285. Por que razão um sacramento de Crisma à parte (ou a mais)? Os reformadores do século 16 recusaram a Crisma enquanto sacramento pensando (foi o caso de Calvino) que se desvalorisa o Batismo se for considerado como incompleto, como algo a «terminar ». Se nos esquecermos do laço entre o Batismo e a Crisma, esta crítica poderia ser justificada. Ora, tal não é o ensino do Vaticano II. São Paulo 1999, Liturgia e Sacramentos, Cardinal Christoph SCHÖNBORN, Ch. 25 O Batismo e a Crisma, p. 83. (uma parte deste parágrafo que trata da crisma é extrata desta obra).» Vemos portanto que as explicações relativas ao sacramento de Crisma requerem os mesmos superlativos em relação ao Batismo do que o artigo 6 da nossa regra relativamente ao compromisso.

O Segundo argumento é a posição da frase «mais profundamente unidos a ela pelo compromisso» relativamente ao texto que a antecede e ao texto posterior. O que antecede é o Batismo que os torna membros vivos da Igreja. Ora, os dois sacramentos, Batismo e Crisma, transmitem o Espírito Santo e os seus dádivos, mas como o nascimento e o crescimento não podem ser intervertidos, o sacramento do crescimento no Espírito Santo deve ser precedido pelo sacramento do renascimento à nova vida. Quanto ao texto que segue: «Serão os testemunhos ativos da sua missão... * Na pessoa de Jesus Cristo, o reino de Deus aproximou-se dos homens. A proclamação e a implementação do Reino de Deus são de fato o objeto mesmo da sua missão na terra: «... Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus » (Lc 4 43). E Convida-nos a segui-lo, a anunciá-lo a todos os povos e a todos os homens para que a Revelação chegue a qualquer parte do mundo.» Ora, se pelo Batismo, cada um se torna membro da Igreja, aquando da Crisma, outro elemento aparece: não só cada membro necessita da comunidade mas a comunidade vive da co-responsabilidade e do empenho de cada um. A Crisma deseja salientar mais precisamente este aspeto e levar o jovem cristão, repleto do Espírito, a ser o futuro disponível para a tarefa missionária da Igreja. Assim, «pelo sacramento de Crisma, o laço do batizado com a Igreja tornou-se mais perfeito, e enriquecido duma força especial do Espírito Santo e obrigado dessa forma a difundir mais estritamente e a defender a fé pela palavra e pela ação enquanto verdadeira testemunha de Cristo * CEC 1285.

Assim, «mais profundamente unidos à Igreja pelo seu empenho» significa que o empenho na Ordem Franciscana Secular deve pronunciado e ouvido como um manifesto sensível, como uma aplicação concreta do sacramento de Crisma.

As testemunhas ativas da sua missão

Missionários franciscanosO destino de qualquer homem é de se tornar parecido com Deus pela sanctificação que faz do homem um filho de Deus. Como é que poderia guardar esta boa nova só para ele? Deus deseja que «Que quer que todos os homens se salvem, e venham ao conhecimento da verdade » (1 Tm 2 4), ou seja de Jesus Cristo? «Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz » (1 P 2 9). O apostolado é realmente a atividade da Igreja que consiste em levar a Luz ao mundo, a «alargar o reino do Cristo na terra * CEC § 863.».

No dia da ascensão, o Senhor dirige-se aos seus apóstulos nestes termos: «... Mas recebereis a virtude do Espírito Santo, que há-de vir sobre vós; e ser-me-eis testemunhas, tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria, e até aos confins da terra » (Ac 1 8). Como várias vezes no Evangelho, Jesus dirige-se aqui especificamente aos seus apóstulos * Não podemos de fato considerar que todas as palavras de Jesus dirigidas aos seus apóstulos e lembradas nos evangelhos nos digam respeito da mesma maneira do para os apóstulos Assim por exemplo, de «Quem vos ouve a vós, a mim me ouve» (Lc 10 16)ou ainda da instituição da Eucaristia «fazei isto em memória de mim » (Lc 22 19).. Será que devemos no entanto chegar à conclusão de que certas palavras de Cristo nos são completamente estrangeiras pelo motivo que são ditigidas aos apóstulos? Seria errado como de querer recebê-las como se fossemos, nós próprios apóstulos chamados pelo Cristo e pela Igreja. No entanto, pelos seus apóstulos, Dirige-se a cada um de Nós. E o que é que nos diz? Diz-nos que pela força do Espírto Santo, somos as testemunhas ativas da sua missão entre os homens. A atividade missionária à qual estamos convidados exprime-se em qualquer lugar da terra. Primeira na vila ou na aldeia em que nos encontramos. Para Francisco, foi primeiro em Assís, na sua própria vila. É esta proximidade que designa Jesus falando de Jerusalém. Depois na sua própria região, a Judeia para os apóstulos, a Umbria para Francisco e o nosso departamento para nós. Depois, na região que se encontra mesmo ao lado, a Samaria e por fi maté aos confins da terra, um pouco como uma onda provocada por uma pedra que alguém deitou para o lago.

O artigo 6 da nossa regra não nos dá nenhuma indicação sobre os métodos práticos a utilizar para ser missionário. A propósito, fala mais propriamente da criatividade apostólica, o que significa que a missão não se fecha numa metodologia ou numa logística estabelecida e oficial mas àqual cada um de nós deve dar vida. Mas então, se o método prática não for explicado, como ser missionário?

Com oser missionário?

A força missionária não provém da nossa própria força mas do total abandono a Deus. Trata-se realmente de viver no mundo segundo os planos de Deus. Lembremo-nos da resposta de Francisco ao Soberano Pontife quando este o mandou observar que o seu «modo de vida era demasiado difícil e demasiado escabroso». Francisco responde-lhe «Entrego-me ao Senhor Jesus Cristo...» E quando Francisco volta pela segunda vez e conta a história da mulher pobre mas linda, a sua conclusão é idêntica: abandonar-se à bondade do Criador que mandou levantar o sol sobre os vilãos e sobre os bons, e cair a chuva nos justos e nos injustos.

Não nos pertence por conseguinte travar o Espírito Santo que sopra nos nossos corações para espalhar o reino de Cristo na terra. Não podemos portanto considerar que a missão seja reservada a uma elite inteletual. Será que ficaríamos excluidos ou, pior ainda, proibidos de ser missionários pelo motivo de não termos realizado longos e brilhantes estudos? Quando Jesus dirige a palavra aos seus apóstulos e discipúlos e que lhes diz «sois o sal da terra, sois a luz do mundo », Fala a todos aqueles que estão presentes, gente rica e menos rica, em termos de cultura inteletual mais precisamente. No entanto, o primeiro Papa que escolheu era pescador de profissão. Abandonemo-nos a Deus no dia a dia. Vivemos no mundo segundo os planos de Deus, pela palavra, pelos atos e sobretudo pela comunhão. Então seremos missionários.

Pela palavra

Missionários franciscanos«No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. 2 Ele estava no princípio com Deus. 3 Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez. Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens; 5 E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam » (Jn 1 1-5). Esta introdução do Evangelho segundo São João mostra-nos que o Verbo (a Palavra) não é simplesmente um atributo divino mas que é Deus. A missão de Cristo na terra exprimiu-se pela sua palavra, uma palavra de vida como nos lembra Simão Pedro: «Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. * Jn 6 68. No mesmo sentido: «Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte.» Jn 8 51.».

A palavra é umas das faculdades próprias do homem. Esta lembra que é o único a ter sido criado à imagem de Deus, como à sua semelhança. Permite-lhe exprimir o seu pensamento, os seus sentimentos, a sua fé no seu criador. Nenhuma criatura, de fato, se pode exprimir pela palavra. E as mais lindas palavras que podemos dizer para exprimir a nossa fé são aquelas que Jesus Cristo nos transmitiu:

A nossa regra convida-nos a ser testemunhas ativas da missão do Cristo pela palavra. Sejamos portant missionários pela palavra. Nunca medimos o quanto a palavra pode fazer bel àquele que a ouve, ou pelo contrário, pode fazer mal porque é do seu coração que o homem extrai a palavra pronunciada * «... Ou fazei a árvore boa, e o seu fruto bom, ou fazei a árvore má, e o seu fruto mau; porque pelo fruto se conhece a árvore. Raça de víboras, como podeis vós dizer boas coisas, sendo maus? Pois do que há em abundância no coração, disso fala a boca. O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, e o homem mau do mau tesouro tira coisas más. Mas eu vos digo que de toda a palavra ociosa que os homens disserem hão-de dar conta no dia do juízo. Porque por tuas palavras serás justificado, e por tuas palavras serás condenado.» Mt 12 34-37.. E falar, é relativamente fácil. Se analizamos bem as coisas, uma palavra «custa» menos esforço do que um serviço prestado. É comparável ao sal que pomos nos alimentos. O sal só representa uma infima parte da totalidade e no entanto é esta infima parte que dá o sabor à integralidade. Podemos dizer o mesmo da palavra. Não é que certas palavras pronunciadas pelos cônjuges na sua vida de casal nutrem mais do que um alimento consumido? O alimento nutre o corpo mas a palavra de amor, ela, satisfaz o coração.

A palavra é um dos graus da missão mas não é o único. De fato, para poder transmitir a Palavra, é necessário conhecê-la, exprimentá-la. Sem esta esperiência, a palavra pode perder o essencial do seu sabor para aquele que a recebe. A palavra missionária deve portant oser acompanhada duma qualquer coisinha que possa lembrar… os atos.

Pelos atos

Na palavra «ato», podemos adinvinhar a presença da palavra «ação». Ambas têm a sua origem etimológica no verbo latim: «Agere», que significa «Fazer, agir». Ora, para dar à palavra toda a sua potência, deve ser acompnhada pelo aquele que a pronuncia, de atos concretos, visíveis. A ausência de ação discredita a palavra, ou até cancela-a completamente. O Novo Testamento não deixa de o lembrar:

«Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus » (Mt 7 21).

«Na cadeira de Moisés estão assentados os escribas e fariseus. Observai e praticai tudo o que vos disserem; mas não procedais em conformidade com as suas obras, porque dizem e não praticam * Mt 23 2-3. « Fazer o que eles dizem» enquanto transmitem a doutrina tradicional recebida de Moisés. Este convite não compromete as suas interpretações pessoais. Jesus mostrou no entanto o que se deve pensar (Mt 15 1-20, 16 6, 19 3-9).».

«Tu crês que há um Deus; fazes bem, também os demónios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta?» (Jc 2 19)

Missionários franciscanos Retomemos a imagem da vida conjugal. As palavras «Amo-te» não são suficientes. Será que devem ser acompanhados, entre os esposos, de uma ajuda mutual que carateriza justamente este amor conjugal? Imaginemos um dos cônjuges que declara o seu amor ao outro mas que nunca o ajuda nas tarefas do dia a dia, no lar (exceto em caso de ser fisicamente impedido). Que resonância estes «Amo-te» podem provocar para o cônjuge? Relembremos a frase de São João citada acima e substituimos para a ocasião, a palavra «fé» pela palavra «amor»: mostra-me o teu amor sem os atos; eu te mostrarei o meu amor pelos atos.

O anúncio de Cristo não é exceção desta evidência: este anúncio deve ser feito, não só pela palavra mas sobretudo pelos atos. «É precisamento o que os conteporâneos descobriam em Francisco. Este homem de Deus não se punha acima deles. Entre os pescadores, aparecia como sendo um deles. Era realmente um amigo. E nesta amizade, os homens menos recomendáveis, tanto como os excluidos, compreenderam que Deus se tinha aproximado deles: ninguém era rejeitado. Tiveram de repente a certeza de que, qualquer miserável que fossem, eram também amados por Deus, reconciliados com ele. A estes homens comovidos por tal revelação, Francisco podia dizer: «Perdoou-vos. Façam igual. Acolham os outros como ele vos acolheu. * Descée De Brouwer 1986, O regresso ao Evangelho, Eloi Leclerc, p. 102.»» Francisco de Assis

O evangelho do último julgamento traduz com muita força o valor dos atos. Não são aqueles que falaram que recebem o Reino como herança mas aqueles que realizaram: «Vinde, bem-ditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; Então os justos lhe responderão, dizendo: Senhor, quando te vimos com fome, e te demos de comer? ou com sede, e te demos de beber? E, respondendo o Rei, lhes dirá: Em verdade vos digo que, quando o fizestes a um destes meus pequeninos irmãos, a mim o fizestes » (Mt 25 24-40).

Na verdade, existe uma terceira maneira de ser testemunha do Cristo. E esta última é a mais importante das três...

Pela comunhão

Podemos dizer e fazer, mas a intenção interior desenvolvida na palavra ou no ato realizado reverte, aos olhos do nosso Criador, uma importância capital. Lembremo-nos das ofertas de Caim e Abel (Gn 4 1-16): ambos apresentaram uma oferta a Deus. «E atentou o SENHOR para Abel e para a sua oferta. Mas para Caim e para a sua oferta não atentou ». A continuação do conto deixa-nos claramente pensar que o amor estava ausente da oferta de Caim. Este cumpria unicamente um ato ritual. «E o SENHOR disse a Caim: Por que te iraste? E por que descaiu o teu semblante? Se bem fizeres, não haverá aceitação para ti? E, se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e para ti será o seu desejo, e sobre ele dominarás ?» E São Paulo lembra-nos então com força, a necessidade da caridade na realização de um ato: «AINDA que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse caridade, * «Diferente do amor passional e egoista, a caridade (agapè) representa um amor de dileção que deseja o bem de outrem. A sua fonte está em Deus que amou primeiro, e entregou o seu Filho para se reconciliar com os pecadores, e ser eleitos, e serem seus filhos. Atribuido primeiro a Deus Pai, este amor que constitui a natureza de Deus, é encontrado da mesma maneira no Filho, que ama o Pai como é amado por ele, e como ama os homens, por quem se entregou. Por fim, é o amor do Espírito Santo, que o espalha nos corações dos cristãos, pedindo-lhes para cumprir este preceito essencial da Lei que é o amor de Deus e do próximo. Porque o amor dos irmãos e até dos inimigos representa a continuação necessária e a verdadeira prova do amor de Deus, o mandamento novo dado por Jesus e que os seus discípulos não deixam de inculcar. Assim Paulo ama os seus e é amado. Esta caridade baseada na sinceridade e na humildade, no esquecimento e no dom da sua pessoa, no serviço, no apoio mutual, deve provar-se por atos e guardar os mandamentos do Senhor, tornando a fé efetiva. Constitui o laço da perfeição e «cobre os pecados». Apoiando-se no amor de Deus, não teme nada. Exercendo-se na verdade, dá um verdadeiro sentido moral, e abre o homem a um conhecimento espiritual do mistério divino, do amor de Cristo que ultrapassa qualquer conhecimento. Fazendo residir na alma de Cristo, e toda a Trinidade, nutre uma vida das virtudes teológicas em que é rainha, porque não passará mas aliviar-se-á na visão, quando Deus atruibuirá aos seus eleitos os bens que promoteu aos que o amam.» Edições de Cerf 1956, A Bíblia de Jerusalém, p. 1522 Nota a) sobre a palavra «caridade » a epístola aos Coríntios (extrato)., seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda, que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse caridade, nada disso me aproveitaria » (1 Co 13 1-3). Lembremo-nos de que no que diz respeito ao apostolado, «é sempre a caridade, procurada sobretudo na Eucaristia, que é como a alma de qualquer apostolado * CEC 864.

Missionários franciscanos Lembremos novamente o nosso exemplo da vida conjugal, mas desta vez integrando os frutos deste amor, ou sejam os filhos. Para o equilíbrio e a expansão dos pequenos as marcas de afeição e de ternura oferecidas às crianças representam os «Amo-te» dirigidos a eles. Os cuidados materiais que lhes são (alimentação, vestuário, ...) concretizam o amor que lhes é dado. No entanto, tudo isto só produz um pequeno efeito no equilíbrio e na expansão da criança se não sentir uma comunhão entre os seus dois pais, um amor mutual radioso. Um barriga bem cheia, roupa quente e lavada, e até qualquer excesso afetivo testemunhado à criança não podem compensar esta imperiosa necessidade de unidade conjugal.

Encontramos na palavra «comunhão» a palavra «união». É esta união, esta comunhão entre cristãos, que manifesta melhor, perante o mundo inteiro a sua fée m Jesus Cristo ! Se não é único, dado que existem palavras e atos, é no entanto a comunhão entre cristãos que permanece o melhor dos testemunhos, o mais potente meio apostólico. «Amai-vos uns aos outros!» Amor, e mais amor, cada vez mais amor. Pois! É este amor mutual ao qual Jesus nos convida com insistência, que testemunha melhor o Deus Amor e Verdade. a Última Ceia

Podemos concluir este capítulo lembrando-nos das últimas palavras de Jesus Cristo, na noite da Quinta-feira Santa. Essa noite passada com os seus apóstulos foi duma intensidade e duma densidade sem igual. Foi durante essa ceia, o nosso Salvador institui a Eucaristia. Foi durante essa ceia que anunciou aos seus apóstulos que os Ia deixar. Foi durante essa ceia que lhes diz que lhes mandará o Espírito Santo. Foi durante essa ceia que se despediu deles. Mesmo no final da ceia, enquanto a sua agonia ia mesmo começar, Jesus dirige ao seu Pai uma oração de oblação e de intercessão. Sem faltar ao respeito, poderíamos comparar a insistência com a qual Jesus reza ao seu Pai pela unidade dos Cristãos a outra insistência. A que um homem justo pode dirigir à sua descendência que o rodeia antes de falecer. O justo fala aos seus filhos, às suas filhas, aos seus genros e noras, aos seus netos e bisnetos. No silêncio religioso que reina em torno da sua cama, na hora da sua partida, o justo diz o que lhe parece essencial. E enquanto dura o seu sopro, repete, insiste nas suas últimas vontades. Ouvimos Jesus falar-nos na oração dirigida a Deus:

«Pai santo, guarda em teu nome aqueles que me deste, para que sejam um, assim como nós» (Jn 17 11) ... «E não rogo somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão-de crer em mim; Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste. E eu dei-lhes a glória que a mim me deste, para que sejam um, como nós somos um. Eu neles, e tu em mim, para que eles sejam perfeitos em unidade, e para que o mundo conheça que tu me enviaste a mim, e que os tens amado a eles como me tens amado a mim» (Jn 17 20-23).

PERGUNTAS

Será que percebi tudo?

  1. Será que posso lembrar qual a missão de Cristo na terra?
  2. Francisco escreve no seu testamento que mesmo se fosse perseguido por padres, é a eles, apesar de tudo, a quem deseja recorrer. Como é que Francisco justifica esta confiança sem limites?
  3. Qual é o segredo da força missionária? E quais são as três formas de testemunho missionário às quais cada batizado é chamado?

Para aprofundir

  1. Na celebração do batismo duma criança, qual o sinal que me toca mais? O que pensar do batismo das crianças? O que é que pensam os nossos familiares e amigos?
  2. Quais os meios concretos que posso implementar para estar em plena comunhão com o Papa, os bispos e os padres? Será que devo aceitar consentir esforços para viver esta plena comunhão?
  3. A regra convida-nos a renovar a Igreja sob a inspiração de São Francisco. Qual (Quais) a(s) passagem (passagens) da vida de São Francisco que me ajuda(m) mais a renovar a Igreja? Jesus é o verdadeiro pé e nós somos os sarmentos. Exertado no ramo franciscano, será que posso testemunhar, simplesmente de ações concretas realizadas ou de mutações interiores que esta situação de sarmento provoca em mim?
Batistério
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Realizado por www.pbdi.fr Ilustrado por Laurent Bidot Tradução : Nathalie Tomaz