Frei Rufin (primeira página)

Capítulo II : Viver o evangelho

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Jesus-ChristEste capítulo começará pela narração de Jesus no deserto, tentado pelo diabo. Continuaremos acompanhando Francisco na sua resposta a este apelo que o Senhor lhe fez na Capela de São Damião. Por fim, terminaremos pelo estudo dos artigos 4 e 5 da nossa Regra. É importante salientar que estes artigos constituem a sua matéria principal.

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JESUS NO DESERTO TENTADO PELO DIABO

Como pode ser notado no prefácio, mencionamos várias vezes neste manual passagens extractos de diversas obras. Vamos hoje ouvir uma mística que nos faz parte duma revelação privada da qual beneficiou. Esta mística bem conhecida é Maria VALTORTA e o extracto apresentado abaixo, assim como uma parte da análise que seguirá provêm da obra O Evangelho como me foi revelado *  No que diz respeito a esta obra, o nosso Santo Padre, o Papa PIO XII recomendava aos Padres Andrea M. Cecchin, Prior, Corrado Berti e Romualdo M. Migliorini, teólogos da Ordem dos Servitos de Maria, recebidos em audiência especial no dia 26 de Fevereiro de 1948 (Ver o Osservatore Romano) : « Publiquem esta obra tal como é. Quem a lirá, compreenderá. » Neste manual, poderemos fazer referência a esta obra escrita em italiano e cujo título é Il pœma dell’Uomo-Dio. Procuraremos na tradução francesa editada em 10 volumes : Tipografia Editora M. Pisani entre 1979 e 1985, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta. As referências que serão dadas mais tarde neste manual diz repeito a esta edição francesa.. No entanto, está claro que te convido à ter cuidado em não materializar os detalhes concretos.

No deserto de Juda

Após o batismo dado por João Batista no Jordão, Jesus é conduzido pelo Espírito ao deserto. Trata-se do deserto de Juda: terra queimada, solidão de pedra e pó que o vento levanta em turbilhões. Jesus está neste lugar desde há quarenta dias, no jejum e na oração. A questão inevitável que vem à idéia é a seguinte: por que razão o Espírito levou Jesus para este deserto? Para, primeiro, preparar a sua missão, mas também para ser tentado como o foram Adão e Eva no jardim do Éden.

Imaginamos facilmente o cenário: desde há quarenta dias, ao calor implacável dos dias sucede-se o frio penetrante das noites. Jesus está muito casado. Está-o por certo, pelas privações de comida. Mas está-o também por causa das saudades da sua mãe. Pois, nesta prova, Jesus sente a necessidade da ternurna materna na sua fragilidade de homem. Presente também o sofrimento que lhe será reservado e a dor que será infligida à sua mãe, a Única pessoa ao mundo que o ama perfeitamente. Jesus está triste... A tristeza não é um pecado se a hora é torturante. É só um pecado se se abandona ou se se cai na inércia ou no desespero. Mas a tristeza é uma apelo mágico para Satão. E vejam justamente o que acontece.

Jesus, sentado numa pedra, vê chegar um homem. Este homem, vestido como um selvagem, mete conversa: « Estás só? » Jesus olha para ele sem responder. « Como é que chegaste aqui? Estás perdido? » Jesus olha para ele de novo e cala-se. « Se tivesse água na minha cabaça, dava-te. Mas não tenho. O meu cavalo está cansado e dirijo-me a pé em direcção ao vau. Aí beberei e encontrarei alguém para me dar um pão. Conheço o caminho. Vem comigo e levar-te-ei. » Jesus baixa os olhos sem nada dizer. « Não respondes ? Sabes que se ficares aqui, vais morrer ? Então vem. » Jesus aperta as mãos durante uma oração silenciosa. E então, adivinhando que está desvendado, Satão revela-se: « Ah ! Então és mesmo tu ? Há muito tempo que eu te procurava! Estavas bem escondido durante todos estes anos! Mas agora, observo-te desde o teu baptismo. Chamas-o Eterno? Ah, ah, Está bem longe! Agora estás na terra e no meio dos homens. E no mundo dos homens sou eu quem sou rei. No entanto, metes dó e quero ajudar-te porque és bom e vieste sacrificar-te, para nada. Os homens odiar-te-ão por causa da tua bondade porque são mais áridos do que o pó deste deserto. Não merecem que se sofra por eles. Conheço-os mais do que tu. Então vem.» O suor corre pelo rosto de Jesus e vemo-lo rezar mais intensamente mentalmente. Satão senta-se frente a Jesus e observa-o com um olhar terrível sorrindo com a sua boca de serpente. Jésus tentation au désert Continua : « Desafias-me. Estás errado. Sou a docilidade da terra. Posso servir-te de professor para te ajudart a triunfar. Vê : o importante é triunfar. Pois, quando se se impõe ao mundo, et que seduzimos, então podemos levá-lo onde queremos. Mas primeiro, é necessário ser como ele quizer, como eles, seduzi-los fazendo crê-los que os admiramos e que os seguimos nos seus pensamentos. Ouve-me. Ensino-te como é preciso fazer, porque houve um dia em que eu olhei para ti, com uma alegria angélica e um resto deste amor ficou em mim. Então, ouve-me e aproveita a minha experiência... Mas imbecíl que eu sou. Tens fome e falo-te de qualquer outra coisa que de comida. Vê então estas pedras, como elas são redondas e polidas, douradas sob os raios do pôr do sol. Parecem pães, não parecem? Tu, Filho de Deus, só tens que dizer: «Quero», para que se tornem pães cheirosos e bem quentes, pães derretendo na boca e acalmando a dor de estômago provocada pela fome. Enche a barriga, Filho de Deus. És o Mestre da terra... Vês como te tornas pálido e vacilas, só de ouvir falar de pão? Pobre Jesus! Serás que estás enfraquecido ao ponto de já não poder mandar o milagre ? Queres que o faça por ti? Eu não estou ao teu nível, mais posso fazer alguma coisa. Privar-me-ei durante um ano da minha força, reunir-a-ei toda, mas quero servir-te porque és bom e que me lembro sempre que Tu és o meu Deus, mesmo se agora, já desmerecido de te dar esse nome. Ajuda-me com a tua oração para que eu possa... »

Neste instante, Jesus responde: « Cala-te. Não é só deste pão que vive o homem mas de qualquer palavra que vem de Deus. »

O demónio salta de raiva. Aperta os punhos e crispa o queixo empurrando um horrível sopro. Mas, mudando de idéias, desaperta os punhos, abre a boca para esboçar um sorriso, e continua: « Compreendo. Estás acima das necessidades da terra e te enjoa de te servires de mim. Mereci-o. Mas, vem ver o que se passa no Tempúlo, a casa de Deus. Vê como os padres também não se recusam em compor entre o espírito e a carne, porque enfim, são homens e não anjos. Realiza um milagre espiritual. Levo-te até ao pináculo do Templo e de lá de cima, lança-te daqui para baixo. Então chama os anjos e diz-lhes de fazerem das suas asas laçadas uma estrada para os teus pés porque não está escrito: « Dará por ti ordens aos seus anjos, e eles levar-te-ão nas suas mãos, com medo que tropeces numa pedra.» ? Jésus tentation au désertE assim, mandam-te descer no meio do pátio principal. Assim, os de baixo ver-te-ão e lembrar-se-ão que existe um Deus. De tempos a tempos, estas manifestações são necessárias porque o homem tem uma memória tão curta, especialmente para tudo o que é espiritual. Sabes como os anjos ficarão felizes de te dar onde por o pé e uma escada para que possas descer! »

Jesus responde: « Não desafies o Senhor teu Deus, foi-te dito. »

Pela terceira vez, o demónio fala: « Compreendes que até a tua aparição não mudaria as coisas e que o Templo continuaria de ser mercado e corrupção. A tua divina sabedoria sabe que os corações dos ministros do Templo são um ninho de víperas que se devoram entre eles para chegar ao poder. Não há, para os domar, nada como a potência humana.

Então vem. Adora-me. Dar-te-ei a terra. Alexandre, Círus, César, os maiores conquistadores do passado serão semelhantes a vulgares chefes de caravanas em relação a Ti que terás todos os reinos da terra sob o teu ceptro e com os reinos todas as riquezas, todos os esplendores da terra, e mulheres e cavalos e soldados e templos. Poderás elevar por todo o lado o teu Signo quando Serás o Rei dos Reis e o Senhor do mundo. Então, serás obedecido e respeitado pelo povo e o sacerdócio. Todas as castas te honrarão e Te servirão porque Tu és o Potente, o Único, o Senhor. Adora-me, um só instante ! Tira-me a sede que eu tenho de ser adorado! Foi ela que me perdeu. Mas ficou em mim e queima-me. As chamas do inferno são frescura do ar de manhã, em compração com este ardor que me queima por dentro. É o meu inferno, esta sede. Um instante, um só instante, ó Cristo, Tu que és bom! Um instante de alegria para o eterno torturado! Faz-me sentir o que significa ser Deus e ser-te-ei devoto, obedecente com um escravo para toda a vida, para tudo o que empreenderás. Um instante! Um só instante e já não te tormentarei mais! » E Satão deita-se de joelhos, suplicando.

Jesus, pelo contrário, levanta-se. O seu rosto mostra uma grande serveridade e uma grande potência. Os seus olhos são como dois safiras que deitam chamas. A sua voz parece um trovão que se repercuta nas rochas e a terra desolada quando diz: « Vai-te Satão! Está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus e servirás Ele só. »

Tendo assim esgotado todas as formas de tentação, satão, com um grito deslumbrante de condenado e de ódio inexprimível, põe-se de pé. E depois desaparece com um novo grito de maldição para voltar ao tempo marcado. * Segundo o Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italia, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volume 2, cap. 5, p. 22 e s. (extractos). Uma parte da análise que seguirá é extracta duma mesma obra, cap. 6, p. 27 e s. Assim como do cap. 44, p. 233 e s.. »

Jesus senta-se. Esta última prova no termo de quarenta dias de privações cansaram-no. Mas o evangelista de nos indicar que e eis que chegaram os anjos e o serviram (Mt 4 11).

Quem é Satão ? Como reconhecer a sua influência?

Satão é um anjo que se desencaminhou. Mas primeiro o que é um anjo?

ange de lumièreAntes que Deus crie os homens, Yahvé Deus criou os anjos. Tropas celestes, seres de natureza espiritual cujo papel é de servir Deus e os homens após a sua criação. O serviço é a sua função principal. No entanto, alguns anjos recebem tarefas especiais para realizar, que nos ensinam que existe entre eles uma hierarquia. Nos dois Testamentos, encontramos o anjo Rafael, « Deus cura » (Tb 3 16-17, 12 14-15), o anjo Gabriel, « herói de Deus » (Dn 8 16, 9 21. Lc 1 26), ou ainda então o anjo Miguel, «que é como Deus » (Dn 10 13-21, 12 1). O anjo Miguel é o príncipe de todos os anjos.

Satão, como já o dissemos, é um anjo decaído. Devia ocupar um lugar mais importante na hierarquia celeste. Mas um orgulho louco « subiu-lhe à cabeça ». Quiz tornar-se o igual de Deus, e mesmo, se possível, ocupar o seu lugar. Já não queria servir mais, mas ser servido. Já não queria ser adorado « a Palavra divina», quer dizer aceitar, adorando-a, a revelação do « Pensamento eterno » que devia, depois incarnar-se, fazer-se homem. * A opinião segundo a qual Deus revelou aos anjos após a sua criação o mistério da Incarnação do Verbo e lhes impôs de o adorar, pode invocar a seu favor diversos índices bíblicos (Lc 2 8-15 ; Jo 8 44 ; 1 Jo 3 8 ; Heb 1 6 ; Gal 4 4 ; 1 Tim 3 16) e particularmente o Apocalipse (12 3-4). Um segundo sinal apareceu no céu: frente à « mulher que vai dar à luz apresenta-se um enorme dragão vermelho, cor de fogo, com sete cabeças e dez cornos, e nas suas sete cabeças, sete diademas (v. 3) ; a sua cauda vare o terço das estrelas dos céu (ou sejam anjos) e o deita à terra. (v. 4). Este « dragão» com os seus rebeldes faz lembrar que o mistério da Incarnação do Verbo foi revelado aos anjos logo após a criação. Os anjos dividiram-se logo em dois grupos: uns (o terço), tendo como chefe Lucifer (o « dragão»), recusaram adorar o Verbo incarnado e foram precipitados para o inferno; os outros, pelo contrário, tendo como chefe o arcanjo Miguel, o adoraram e foram admitidos à visão benéfica. Edições M. Kolbe e edizioni Pisani 1984, A Virgem Maria na obra de Maria Valtorta, Gabriel M. Roschini O.S.M., Nota 1 p. 90.. Queria ser adorado. Acabou por levar com ele uma grande quantidade de outros anjos. Segui-se um combate e Satão, assim como os outros anjos maus foram explusos dos céus. Mas aquele a quem chamamos também Belial não desistiu. A antiga Serpente tornou-se o adversário, o acusador, o inimigo. Desde que Deus criou o homem, Satão não pára de contonuar a sua obra : a divisão dos seres (o contrário do amor e da união fraternal) e a morte da obra divina, ou seja a criação. Personifica verdadeiramente a negação de Deus. Enquanto Deus é Verdade, Satão só é mentira. Enquanto Deus é a Vida, Satão só é morte. Enquanto Deus é Amor, Satão só é ódio.

Mas só é um anjo descaído, e seria errado de lhe reconhecer poderes sobrenaturais. Ange des ténèbres Mas não tem nenhum. Satão não pode fazer nada ele próprio contra o homem, senão tentá-lo por todos os meios para o levar para o pecado e separá-lo de Deus. Assim, não dever-se-á ver o Diabo em todas as acções ou eventos que não são forçosamente fáceis de viver. Se eu der um passeio de bicicleta e que furo uma das minhas rodas, não deve ver aí a obra de Satão. Simplesmente, se a minha pobre roda fura, é que o pneu estava gasto ou então a roda pisou um objecto cortante. Não há nada de satánico nisto. No entanto, se vir duas pessoas, duas nações ou então duas etnias que estão divididas ou que se dilaceram mutuamente, então podemos ver nisso a influência de Satão. Nunca devemos esquecer que o demónio, é o divisor, e é na divisão que o adivinhamos à obra.

Satão não podendo fazer nada de ele próprio contra o homem, tenta-o para o levar a realizar más acções. Assim, e antes de sublinhar a maneira como procede Jesus para resistir às tentações de Belial, vejamos um pouco como Satão opera para nos tentar.

A indulgência de Satão ?

Satão apresenta-se sempre com uma simpatia exterior, sob uma aparência inofensiva e, em todo o caso, com um aspecto ordinário. Na realidade, segue constantemente um esquema idêntico nas tentações que ele provoca. As tentações que fez ao Cristo, que recapitulam todas as formas de tentações (Lc 4 13), seguem assim o mesmo esquema que as que fez a Adão e Eva. Vamos observar durante algum tempo estas formas de tentações para as conhecer melhor e, assim, saber melhor como resistir.

Os dois caminhos que toma mais vezes o Demónio para chegar às almas, porque são as almas que o interessam, são a atracção a atracção carnal e a guloseima, goluseima no sentido pejorativo do termo, ou seja a intemperança, a fome insaciável de qualquer coisa. Pois, Satão começa sempre pelo lado material da natureza. Foi o que ele fez com Adão e Eva: « Então Deus disse: não comereis de toda a árvore do jardim? » E disse a mulher à serpente: « Do fruto das árvores do jardim comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais... ». E vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, ... tomou do seu fruto. » (Gen 3 1-6). E hoje quantas vezes somos submetidos à tenação por imagens aviltantes, ou então ainda pela profusão de produtos de consumo sempre mais indispensáveis ao nosso bem-estar pessoal ? Quando estamos bem conscientes da importância, ou seja a nossa alma, compreendemos melhor os termos aparentemente rigoristas de Francisco na sua primeira carta aos fiéis (no capítulo que trata daqueles que recusam a vida de penitentes) : « Mas todos aqueles... que se adonnent aos vícios e aos pecados, que seguem a sua descida para o mal e os maus desejos da sua carne... que fazem do seu corpo o escravo do mundo, dos desejos carnais, das ambições da terra e das lidas desta vida: prisioneiros do diabo, de quem são filhos e para quem realizam as obras, são cegos, porque não vêem a verdadeira luz: o nosso Senhor Jesus Cristo... Mas tenham cuidado, cegos: deixaram-se seduzir pelos vossos inimigos que são a carne, o mundo e o diabo porque é bem agradável para o corpo cometer o pecado, e muito amargo servir Deus... » (1 L 3 63-69). A virtude a cultivar para resistir a esta forma de tentação é a pureza *  « Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus» Mt 5 8. Esta beatitude realiza-se já na terra. Aqueles cujos sentidos não estrovam o pensamento, «vêem» Deus e já o compreendem, o seguem e o mostram aos outros., mesmo se o mundo faz pouco daqueles que são puros *  Aqueles que estão sujos das impurezas atacam os que são puros. João Baptista será uma vítima da luxura de dois seres despravados. Mc 6 17-29. Quando Satão arrasou e sujeitou o lado material da natureza, então dirige o ataque para a parte superior: o lado moral e enfim, o espírito.

O lado moral: é o pensamento com as suas cobiças e o seu orgulho. Aí também, a aproximação entre a queda original e a tentação de Jesus no deserto é impressionante. « A serpente replicou à mulher: « Certamente, não morrereis! Porque Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, sabendo o bem e o mal». E vendo a mulher que aquela árvore... era desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, e comeu, e deu, também, a seu marido, e ele comeu com ela » (Gn 3 4-6). Aqui vemos bem a cobiça do primeiro casal: « conhecer o bem e o mal » assim como este orgulho louco: « tornar-se como Deuses ». Jesus não foi menos tentado. Pois, se a primeira tentação era feita a um homem jovem que sofria de fome, a segunda tentação visava a sedução do Messia. O motivo apresentado pelo Diabo era um pretexto: a conversão dos homens pela realização dum milagre que impressionaria. Na verdade, por aí, empurrava o Cristo para se glorificar Ele-mesmo de ser o Messia, e isso para o levar até à outra concupicência: a do orgulho. Não nos podemos esquecer que a virtude a cultivar para resistir a esta forma de tentação é a humildade.

Adam et Eve jardin d'Eden O espírito: é a mais horrível das tentações porque, se caímos nela, ela provoca uma grave ruptura entre o homem e Aquele que o criou. E Deus, não o diremos nunca demais, é Amor. A ruptura provocada por esta tentação retira do coração do homem o amor e o receio de Deus. No jardim do Éden, a serpente acusa Deus de ser mentiroso e ao mesmo tempo calculador. Fá-lo subtilmente no entanto: « Certamente, não morrereis! Porque Deus sabe que, no dia em que dele comerdes, se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus... » O facto que Adão e Eva prestam fé a esta vil mentira da serpente leva a amorça da ruptura. Duvidam de Deus. Pensam que Deus lhes mentiu, ele que não é verdade. De filhos de Deus, fazem-se filhos do diabo e adoptam os mesmos vícios, nomeadamente a mentira e a acusação de outrém. Então desaparecem o amor que está nos corações e o receio de Deus, a tal ponto que se acusa também Deus de se rem parte responsável da falta cometida. Lemos novamente o texto da Génesis no momento em que Deus pergunta: « Quem te mostrou que estavas nu? Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses! » A esta pergunta, o homem rejeita a falta que cometeu em duas pessoas : o seu próximo e Deus. Ele não é responsável : « A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi! » Com esta frase, Adão incrimina Deus de lhe ter posto uma mulher ao seu lado porque se Deus não lhe tivesse dado mulher, então, subentende que esta problema não teria acontecido. Nesta narração da queda original, Satão, ganhou, perdoem-me a expressão, em toda a linha. Tentou o primeiro casal, criado à imagem de Deus, para matar o amor, para separar o homem do seu Criador e criar a divisão no próprio casal. Com o primeiro casal, chegará aos seus fins. *  E não só o primeiro casal. O povo da Bíblia va muito frequentemente sucumbir a estas tentações e duvidar do seu criador que lhe envia no entanto, comida (a maná e as codornizes - Ex. 16 1-16), lhe dá água (Ex. 32 1-7). Mesmo assim, o povo adirará a vaca de ouro (Ex. 32).. O tentador perseguirá um objectivo idêntico com Jesus Cristo: « O diabo leva outra vez para uma serra muito alta, mostra-lhe todos os reinos do mundo com a sua glória e lhe diz: tudo isso, eu dar-to-ei-se caires ao meus pés e me adorares. » Finalmente, o demónio tenta Jesus com ouro. O ouro, esta chave que abre muitas portas, este meio de corrupção, esta alfa e ómega de quantas acções humanas. Para a fome de pão e de mulher, o homem torna-se ladrão. Para o orgulho e o amor do poder, o homem vai até ao homicídio. Mas para o ouro, torna-se idólatra. E Satão ofereceu ouro a Jesus para que Ele o adore. Jesus o perfura então com as palavras eternas : « Só adorerás o Senhor teu Deus ». A virtude de praticar para resistir a esta forma de tentação é a caridade *  A caridade é uma virtude teologal. É o Amor de Deus e do próximo..

Após ter visto o objectivo perseguido pelo adversário e como ele opera para o atingir, analisemos com mais pormenores como Jesus procede para resistir às diferentes tentações submetidas por Satão.

O comportamento de Jesus perante Satão

Silêncio e oração.

Silêncio porque é inútil discutir com Satão. É forte na sua dialéctica e saíria victorioso duma discussão. Jesus só intervem nos momentos em que Satão insinua que é Deus e que Ele utiliza para isso a palavra de Deus. Recorrer a Deus, não com palavras escritas em papéis mas escritas nos corações. Eis o modelo que Jesus nos propõe.

A oração. Reagir às seduções do Maligno pelo oração dirigida a Deus, porque a oração une a Deus e deixa correr a sua força no coração do homem.

Assim, quando se tem a vontade de vencer Satão, a fé em Deus e na sua ajuda, a fé no poder da oração e a bondade do Senhor que emana dela, então Satão não nos pode fazer mal.

É justamente na oração que vamos agora encontrat o jovem Francisco Bernardone durante este Inverno 1205...

O APELO OUVIDO POR FRANCISCO

São Damião

Sobretudo desde o episódio do encontro com o leproso, Francisco gosta de se retirar só para rezar. Afeciona particularmente uma pequena capela que conhece desde criança. Esta encontra-se a algumas centenas de metros das portas da cidade de Assís e já só é frequentada por muitos raros fiéis. Indo rezar para essa capelinha dedicada a São Damião, Francisco une-se a Deus. Passa lá horas e horas perante um crucifixo, em silêncio. Imaginamos facilmente que vem para esta capela para rezar, porque francamente, quando vemos o estado desta ruina, não podemos pensar que vem para se aquecer : cada vez que chove, o telhado deixa passar água e o vento penetra no interior pelos buracos da parede que o jorramento das águas acabou por provocar. François d'Assise Saint DamienNo entanto, no frio e na penumbra deste sanctuário, Francisco está presente. Reza intensamente desde há já algumas horas e, de repente, uma voz brisa o silêncio: « Vai, Francisco, e arranja a minha casa, que como vês, está a cair em ruina! » Francisco fica estupefeito. Esta voz que ele acaba de ouvir veio do crucifixo do qual viu mexer os lábios. Francisco treme todo tanto a surpresa e a estupefacção são grandes.  Imaginem: nesta capela, não ouvia nunca ninguém porque esta estava praticamente abandonada pelos homens. Agora ouve alguém que lhe fala, e esse alguém é o Crucificado! Ninguém lhe prega uma partida para se divertir. Viu os lábios do crucifixo mexer e pronunciar este curioso convite: « Vai, Francisco e arranja a minha casa que, como vês está a cair em ruina! » Não, não é o frio que o faz tremer, o nosso Francisquinho, é o receio de Deus, tal como Moisés que se tapa a cara quando do arbusto ardente ele ouve falar-lhe Deus: « Eu sou o Deus do teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob » (Ex 3 6). Francisco fica como perdido, incapaz de falar. Depois, vê buracos no telhado da capela, estes buracos que deixam passar a água. Vê os muros a cairem, estes muros com buracos que deixam passar o frio. Arranjar a casa que cai em ruina – Arranjar a casa que cai em ruina. Estas palavras não deixam de lhe vir à cabeça. Agora, Francisco só terá um desejo: arranjar a casa que cai em ruina. É no entanto o que ele vai fazer. Francisco vai obedecer e concentrar todas as suas forças para executar a palavra do crucificado.

O homem novo

Mas para arranjar uma capela, é preciso morteiro, pedras, ferramentas. Pois, é preciso dinheiro! Não importa. Francisco vai começar por procurar dinheiro onde sempre arranjou para organisar festas com os amigos, onde ele o encontrou para se armar como um cavaleiro: em casa dos pais. Leva algumas peças de tecido, vende-as e dá o dinheiro ao padre que desserve a capela. Este, prudente e avisado, recusa o dinheiro que Francisco lhe propõe. Era prudente, de facto, porque Pedro Bernardone que até aí tinha fechado os olhos nas loucas despesas do seu filho mais velho, revolta-se violentemente. Após ter apanhado o seu filho Francisco, leva-o até ao bispo de de Assís para exigir reparação, ou seja o reembolso. Fá-lo menos por cupidez da soma em litígio do que por vontade de fazer voltar os seu filhos aos seus próprios desígnos. No entanto, os restantes eventos não vão decorrer como ele o deseja. François d'Assise dépouillement devant l'EvêquePerante a sala cheia do tribunal eclesiástico presidido pelo Bispo de Assís, não só Francisco devolve a quantia ao seu Pai mas por mais, tira completamente a sua roupa dizendo: « Em toda a liberdade, poderei dizer agora: Pai Nosso que estais no Céu! Pedro Bernardone já não é o meu Pai, e devolvo-lhe não só o seu donheiro que aqui está, mais aindo toda a minha roupa. Irei nu ao encontro do senhor! *  2 C 12 » Com este gesto que comove mais duma pessoa da assistência, Francisco não testemunha não só da sua mudança espiritual que se realiza nele mas também da profunda mudança social que ele provoca. Com este acto e estas palavras, Francisco renuncia publicamente à futura herança dos bens familiares.

A partir desse momento, Francisco toma o hábito de ermita: um lençol rudo, os pés apenas recobertos, um cajado na mão e um cinto de couro. Uma coisa, no entanto, distingue-o dos outros ermitas: regressa muitas vezes à cidade para mendigar pedras para a restauração da capela São Damião e óleo para as lâmpadas da igreja. Francisco de AssisAssim, muitas pessoas olham para ele, um pouco comovidos. Mas muitos desprezam-no e fazem pouco dele. Pensem um pouco! Ele, filho dum notável de Assís, ir de porta em porta para mendigar pedras quando não é pão para se alimentar! Não, realmente, Ah-Ah-Ah, é muito divertido! Este facto, que é muito mais fácil de contar do que de viver merece ser sublinhado: Francisco faz o que Deus lhe pede, pelo menos tal como o entendeu, perante todas as pessoas que o viram nascer e crescer. Sim, este tempo de restauração de edifícios religiosos que durará de 1206 a 1208 é um período difícil para Francisco. Este tempo ensina-lhe a dominar os seus sentidos: o « guisado» que recebe aquando das suas mendicidades lhe dá por vezes enjôos tanto o « guisado de restos de carne» oferecida é mais destinada às aves e aos porcos. Este tempo ensina-lhe também a renunciar ao seu pequeno « eu » bem pessoal: um dia que foi mendigar óleo, chega perante um grupo de jogadores, provavelmente antigos amigos, e aí recua, cheio de vergonha; Renuncia, e apresentando-se perante a assembleia, confessa publicamente a sua falta.

Uma vez a igreja São Damião restaurada, Francisco começa a arranjar um segundo edifício, a igreja São Pedro, e depois um terceiro, a capela da Portioncula dedicada a Santa Virgem *  Tomás de Celano mencionará até: « dedicada à bem-aventurada Virgem, mãe de Deus... » 1 C 21.. Francisco mencionará no seu testamento esta fé para com as igrejas: « E o Senhor me deu uma grande fé nas igrejas, fé que exprimia pela fórmula de oração simples: adoramos-te Senhor Jesus Cristo, em todas as igrejas do mundo inteiro e te abençoamos por teres recuperado o mundo pela tua Santa Cruz. » *  Teste 4 - 5 É após ter terminado a restauração desta terceira capela que um novo evento importante acontece.

O Evangelho

Estamos a 24 de Fevereiro de 1209, dia de São Matias *  Ou a 12 de Outubro de 1208, dia de São Lucas. e Francisco assiste à missa nesta capela da Portioncula que ele acabou de restaurar. As palavras do Evangelho lido pela padre o surpreendem. Eis esta página de Evangelho:

« E chamando os seus doze discípulos, …Jesus enviou-os e lhes ordenou dizendo: « É chegado o reino dos céus. Curai os enfermos, limpai os leprosos, expulsai os demónios: de graça recebestes, de graça dai. Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos, nem alforjes para o caminho, nem duas túnicas, nem alparcas, nem bordão: porque digno é o operário do seu alimento.

E, em qualquer cidade ou aldeia em que entrardes, procurai saber quem nela seja digno, e hospedai-vos aí, até que vos retireis. E, quando entrardes nalguma casa, saudai-a; e se a casa for digna, desça sobre ela a vossa paz ; mas se não for digna, torne para vós a vossa paz... » (Mt 10 1.13).

Estas palavras, tinha-as ouvido muitas vezes, mas nunca as tinha recebido como hoje. E Francisco grita: « Eis o que eu quero, eis o que eu procuro, o que, do mais profundo do meu coração, desejo mais realizar! » *  1 C 22

E « imediatamente, Francisco, transbordante de alegria, passa a realizar o que ele acaba de ouvir: desaperta os seus sapatos, deixa o seu cajado, só guarda uma túnica e substitui o seu cinto por uma corda... Os outros ensinos, aplica-os também com muito cuidado. Não é surdo quando se lê o Evangelho, mas confia à sua linda e boa memória tudo o que ele ouve e empenha-se conscienciosamente a realizá-lo à letra. » *  Ibidem (extractos).

Francisco de AssisNo entanto, nesta fresca manhã de Fevereiro, o coração todo iluminado, pelo Evangelho que acaba de ouvir, Francisco está longe de adivinhar a importância da sua descoberta para o futuro da Igreja. Não pensa nem nos heréticos nem na cruzada que o papa se prepara a lançar contra eles. Só pensa em responder pessoalmente ao apelo do Senhor. E, no entanto, decidindo seguir este texto à letra, cumpre um acto duma imensa dimensão; empenha-se num caminho novo que será a do encontro do Evangelho com o mundo novo das comunas. Para dizer a verdade, é toda a sua época que nessa manhã, pelo seu intermédio, recebe o Evangelho, no coração e grita : « Eis o que eu procuro, eis o que eu quero!... »

Deixemos Frade Eloi LECLERC comentar as três coisas que se destacam com força deste texto e que retiram Francisco à sua vida eremítica pondo na estrada, ao encontro dos homens e da história *  Com certas disposições de diferença, os comentários que seguem e alguns daqueles que precederam, são extractos da obra de Eloi LECLERC O.F.M., Francisco de Assís – O regresso do Evangelho, Desclée De Brouwer 1986, Ch. 5 : O Evangelho reencontrado..

Jesus mandou-os

Numa Cristandade solidamente instaurada e dedicada ao imobilismo do sistema feodal, este Evangelho soa de maneira estranha como um apelo à mobilidade, à vida itinerante. Os discípulos estão convidados a meterem-se ao caminho e a percorrer o mundo, tal como os vendedores ambulantes da época. Na verdade, era preciso ser vendedor ou filho de vendedor para ouvir este apelo na sua novidade e na sua actualidade. O facto é que à leitura deste texto, Francisco fica impaciente; só tem um desejo, uma pressa: partir, percorrer o mundo a grandes passos. Numa Igreja pesada pelas suas imensas propriedades prediais e que tem verdadeiramente solas de chumbo, encontra novamente a ligeireza e a alegria da marcha, o salto da juventude, a alegre impaciência do mensageiro. Ao mesmo tempo, destaca-se de qualquer instalação territorial, volta as costas à qualquer residência fixa, a qualquer feudo. Rompe com o sistema politico-religioso do seu tempo, o das senhorias de Igreja e dos “benefícios”. Descobre novamente o Evangelho como movimento de Deus para os homens. Ou seja, retoma a sua missão.

Nem ouro, nem prata

É também no contexto da época que a exigência da pobreza, formulada aqui pelo Cristo, toma todo o seu relievo e todo a sua mordacidade: « Não possuais nem ouro nem prata... » O ouro e a prata! Neste século do regresso ao ouro e à prata, Deus sabe se estas palavras soavam aos ouvidos de Francisco! Sabia, ele, o filho do rico comerciante mercador de panos, o lugar que tinha o precioso dinheiro na nova sociedade. E não só na vida económica em que desempenhava um papel crescente nas trocas, mas também na vida social, no âmbito das relações humanas. Os homens eram cada vez mais estimados em função do seu poder, espécies soantes e vacilantes. As relações humanas tornavam-se relações de dinheiro. Vários símbolos da riqueza, o ouro, o dinheiro impunham-se como o novo instrumento do poder, tal como a terra na antiga sociedade feodal. Quem as possuia dominava os outros. Os ducados e os florins eram os mais importantes. Eram eles quem transformava o movimento comunal e o seu ideal de associação numa continuidade de rivalidades e de conflitos entre as cidades; eles que provocavam também, em cada cidade, as novas inegalidades sociais e as novas formas de opressão. Onde reinava o ouro e a prata, não havia fraternidade entre os homens.

Era portanto necessário levar muito a sério a exigência evangélica. Era necessário segui-la à letra. Francisco iria em direcção ao mundo das cidades, este mundo de comerciantes, de cambiadores e de banqueiros, mas, em verdadeiro discípulo do Cristo, recusaria absolutamente de estabelecer um pacto com o novo ídolo. Nesta condição unicamente, poderia anunciar a Boa Nova.

E qual é esta Boa Nova ?

A paz messiánica

Jesus diz ao seus discípulos: « Em qualquer casa onde entrardes, dizei primeiro: « Paz seja nesta casa ». E se ali, houver algum filho de paz, repousará sobre ele a vossa paz ; e se não, voltará para vós » (Lc 10 5-6). A Paz! Eis a mensagem. Evangelizar, é antes de tudo anunciar a Paz, a grande Paz messiânica, a que reconcilia os homens com Deus e deve também reconciliar os homens entre eles, transformando as suas relações, liberando-os de qualquer servidão. Esta paz só pode ser anunciada por homens sem cobiça e puros de qualquer vontade de poder. O mundo dos homens é um campo de luta. O mensageiro do Evangelho não deve aparecer como um rival ou um concorrente na corrida à riqueza e ao poder. A pobreza, e ela só, é o caminho que o levará para uma comunhão fraternal com todos os homens e, em primeiro lugar, com os mais pobres.

Francisco de Assis

Tal é o Evangelho que, logo ouvido, põe logo Francisco em movimento. « Circulava pelas vilas e aldeias, conta Tomás de Celano, anunciava o reino de Deus e pregava a paz *  1 C 36... ». Começava cada um dos seus sermões por este desejo de paz: « Que o Senhor vos dê a sua paz ». Esta paz, oferecia-a sempre e com convicção aos homens e às mulheres, a todos aqueles que encontrava ou cruzava no seu caminho. E teve muitas vezes como efeito, com a graça do Senhor, de levar aqueles que, refractários à paz, eram inimigos da sua própria salvação, a enlaçar a paz com todo o coração e a tornarem-se eles também filhos da paz. *  1 C 23... 

Até ao fim da sua vida, Francisco permanecerá fiel a esta missão de paz. Um testemunho, o arcediago Tomás de Spalato, descreve-nos, de repente, a predicação evangélica de Francisco: « Nesse ano (em 1222), eu residia no Studium de Bolonha; no dia da Assunção, vi são Francisco pregar na praça, frente ao palácio público. Quase toda a vila esta lá reunida. A sua predicação não era do estilo duma grande eloquência sagrada. Eram mais arengas... Durante todo o seu discurso, falou do dever de apagar os ódios e concluir um novo tratado de paz. Usava uma roupa velha; o seu rosto não era bonito. Mas Deus conferiu tanto poder às suas palavras que trouxeram paz em muitas famílias senhoriais, separadas até aqui por velhos ódios, crueis e furiosos até chegar ao assassinato» *  Historia Salonitarum, MGH, XIX, 580 Lemmens, Testimonia minora, p. 10.

O renovo evangélico

No testemunho que precede, vemos que Francisco, que na sua predicação, va directamento ao que lhe parece essencial: as relações dos homens entre eles. É por aí que o Evangelho entra na vida. Não há renovoevangélico sem um renovação das relações humanas. É antes de tudo necessário destruir o muro de ódio, de desprezo, de indiferença que separa os homens duma mesma vila, dum mesmo país e instaurar entre eles uma verdadeira fraternidade.

Francisco de AssisMas, como Francisco procede para chegar a este resultado? Ele não esconde os conflictos; também não as oculta numa mística vaporosa e desencarnada. Conhece as aspirações profundas dos homens do seu tempo a novas relações sociais. E são precisamente estas aspirações que o fazem agir. Dirigindo-se a todos os habitantes duma mesma vila, convida-os, diz Tomás de Spalato, a « concluir um novo tratado de paz », um novo pacto social. Este filho da vila sabe de que fala.

A paz que Francisco prega não se reduz, como vemos, a um estado de espírito. Só há paz efectiva e durável no respeito dos direitos de cada um e inscritos numa carta, um tratado ou um protocolo de acordo. Estamos no tempo das cartas de liberdade. Francisco volta à inspiração primeira das vilas: ao espírito de associação e de fraternidade. Mas fá-lo comunicando à nova sociedade das vilas um sopro novo.

Qual é este sopro capaz de destruir os muros de separação e de aproximar os homens? A ponta de qualquer acção evangélica, como também o seu melhor critério de autenticidade, será sempre de dar a saber o que a Boa Nova contém de mais surpreendente, ou de escandaloso aos olhos do mundo, ou seja: Deus, no seu Filho, quis ter relações com os pecadores, os excluídos, os reprovados; procurou aqueles que estavam perdidos, aproximou-se dos mais afastados, tornou-se amigo deles e comeu com eles em sinal de reconciliação. Eis o coração da Boa Nova. Mas uma tal mensagem não pode ser simplesmente o objecto dum discurso ; não pode ser proclamada do cimo duma cátedra ou duma tribuna. Transmite-se por um comportamento, no empenho duma existência. Exprime-se numa sensibilidade e um atenção de todos os dias à desespero dos homens. Comunica-se numa amizade, uma espécie de cumplicidade fraternal. É precisamente o que os contemporâneos descobriam em Francisco. Este homem de Deus não se punha acima deles. « No meio dos pecadores, escreve Tomás de Celano, aparecia como um deles *  1 C 83 ». Era verdadeiramente o seu amigo. E nesta amizade, os homens menos recomendáveis, assim como os excluídos, compreenderam que Deus se tinha aproximado deles: ninguém foi rejeitados. Tiveram logo a certeza que, qualquer miserável que fossem, eram todos amados por Deus, reconciliados com ele. A estes homens comovidos por esta revelação, Francisco podia dizer: « Ele perdoou-vos, fazei igual. Recebei-vos uns aos outros como ele vos recebeu. »

A casa reconstruida

Quando Francisco começa a percorrer a Ombria para anunciar a Boa Nova, a Itália do Norte está infestada pelas seitas, mais precisamente pelos Cátaros. O jovem predicador não ataca de frente a heresia; não perde tempo para criar polémicas. Mas movido pelo Espírito, porta-se espontâneamente à ponta do Evangelho, deixando transparecer aos olhos de todos, o que o tinha tocado e comovido no mais íntimo do ser: a insondável humanidade de Deus. Então passou-se um facto único: sem violência, sem cruzada, sem Inquisição, as seitas desapereceram de Itália, «como pássaros de noite postos em fuga pelos primeiros raios do sol». Ah, este senhor irmão sol por quem nos dás, Tu o Muito alto, o dia e a luz. É lindo, radiante dum grande esplendor e para Ti, convida-nos cada dia a viver o Evangelho.

VIVER O EVANGELHO

Vamos agora descobrir os dois artigos da nossa regra que constituem o coração mesmo desta.

Artigo 4.

A Regra e avida dos laicos franciscanos é a seguinte: VIVER O EVANGELHO do nosso Senhor Jesus Cristo seguindo os exemplos de São Francisco de Assís, que fez de Cristo o inspirador e o centro da sua vida com Deus e com os homens. *  1 C 18 e 115..

O Cristo, doação do amor do Pai, é o caminho para o Pai ; é a Verdade na qual nos faz entrar o Espírito Santo; é esta vida que nos trouxe em abundância. *  João 3 16, 14 6..

Os laicos franciscanos aplicar-se-ão a uma leitura frequente do Evangelho, passando do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho *  Vaticano II, Decreto sobre o apostolato dos laicos 30 h..

  Vemos que este artigo 4 cé composto por três partes: após ter posto a afirmação precisa daquilo que é a nossa Regra de vida, « VIVER O EVANGELHO», reconhecemos os qualificativos que o Cristo dá dele próprio: « Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida ». De facto, comeceremos o aprofundamento deste artigo pelo estudo destes termos. Depois, seguiremos pelo Evangelho e terminaremos pela admonição prática que fecha estas linhas.

Eu sou

Encontramos nos evangelhos mais de cinquenta *  Dos quais mais de quarenta no Evangelho de João. palavras do Cristo em que ele exprime « Eu sou», « sou Eu» ou então ainda «Eu sou-o». Estes « Ego Eimi » apresentam-se sob duas formas: no absoluto ou com qualificação. Antes de evocar os qualificativos « Caminho, Verdade, Vida», paremos alguns instantes nesta revelação do ser divino de Jesus nos evangelhos: «Eu sou».

Pudemos ler no capítulo I, no parágrafo que fala da incarnação, que a reconciliação entre Deus e os homens realiza-se pelo Cristo, Filho de Deus, ou seja por Deus feito homem. Mas, Jesus não vai revelar brutalmente a sua filiação divina aos seus apóstolos e aos homens no início da sua predicação. Vai fazêèlo gradualmente e ainda mais de uma maneira mais enigmatíca. Vemos e ouvimos três situações encontradas nos evangelhos nas quais Jesus se revela a nós como Deus e escolhemos, entre as atitudes adoptadas pelos seus contemporâneos, a que seria nossa.

Jésus-Christ

A estes discípulos, Jesus fa zesta pergunta: « Quem dizem os homens ser o Filho do homem? » E eles disseram: « Uns, João Baptista, outros Elias, e outros Jeremias ou um dos profetas ». Disse-lhes ele « E vós, quem dizeis que eu sou? » E Simão Pedro respondendo, disse: « Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. » E Jesus respondendo, disse-lhe: « Bem aventurado és tu, Simão Barjonas, porque to não revelou a carne e o sangue, mas meu Pai que está nos céus... » (Mt 16 13-17). Não se mede sempre com precisão esta profissão de fé de Pedro. Situemo-nos no contexto. Pedro acompanha um homem, chamado Jesus, desde há alguns meses. Este homem, é verdade, cumpre obras prodigiosas, pronuncia palavras extraordinárias, mas aparece aos olhos de todos como um homem, simplesmente como um homem. E Pedro professa que ele é o Cristo, o Filho de Deus vivo; affirma que este homem que os escolheu « é Deus». A esta profissão de fé de Pedro, o Cristo salienta que esta revelação vem do Pai que está no céu. « Pela fé, o homem (Pedro neste instante) submete completamente a sua inteligência e a sua vontade a Deus. De todo o se user, o homem dá o seu assentimento donne son assentiment a Deus Revelador... *  CEC § 143. » Infelizmente, todos aqueles que estiveram em contacto directo com Jesus Cristo não adotaram esta atitude.

Encontramos no Evangelho de São João, na passagem intitulada pela Bíblia de Jerusalem « Aviso aos Judeus incrédulos » três afirmações pronunciadas por Jesus Cristo da sua natureza divina. « Se não crerdes que eu sou, morrereis nos vossos pecados» (Jn 8 24) : « Eu sou» é o nome divino revelado a Moisés (Ex 3 14) e significa que o Deus de Israel é et signifie que le Dieu d’Israël é o único e verdadeiro Deus (Dt 32 39). Mas uma tal linguagem permanece, para os auditores da época do Cristo, particularmente obscura. E que o seu significado profundo tenha escapado totalmente aos auditores imediatos, é o que mostra a questão que eles põem logo depois, não sem alguma impaciência: « Quem és tu? A resposta que faz o Cristo a esta intimação de se explicar (« Primeiro o que vos digo») manifesta a sua vontade bem determinada em não dar plena luz a almas incapazes de suportar o seu brilho» * Pesquisas de Ciências Religiosas 1966, Os EGO EIMI Cristológicos do quarto evangelho, A. Feuillet, p.17.. A discussão persegue-se e deixa cair esta segunda afirmação: « Quando levantardes o Filho do homem, então conhecereis quem eu sou e que nada faço por mim mesmo» (Jn 8 28). Pois sim! Após terem levantado o Cristo na cruz, compreenderão que ele é... Aquele que Deus tinha enviado para os salvar. Será necessário compreendê-lo, quando se virão aniquilados como povo, dispersos no meio dos Bons, apressados de crer em Jesus. A conversa entre os Judeus incrédulos e Jesus termina-se com uma nova revelação: « Em verdade, em verdade, vos digo que, antes que Abrão existisse, eu sou.». Neste momento, « Pegaram em pedras para lhe atirarem» (Jn 8 58-59). Isto mostra bem que os auditores compreenderam bem o que Jesus diz. A pretenção de Jesus a um modo divino de existência é, aos olhos dos Judeus, uma blasfémia passível de lapidação. E é no entanto esta afirmação de Filho de Deus que determinará a sua condenação à morte: « O sumo sacerdote disse-lhe: « És tu o Cristo, Filho de Deus Bendito? » - « Eu o sou, respondeu Jesus... » E o sumo sacerdote rasgando os seus vestidos, disse: « Para que necessitamos de mais testemunhas? Vós ouvistes a blasfémia; que vos parece? » E todos o conseideraram culpado de morte » (Mc 14 61-65).

Crucifixion Jésus-Christ

No entanto, logo após a morte de Jesus na Cruz, a constatação da sua filiação divina é professada pelos Romanos: « E o centurião, e os que come le guardavam Jesus, vendo o terramoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: « Verdadeiramente, este era Filho de Deus! » (Mt 27 54). Estes Romanos, estes paianos, são abalados pelos eventos dos quais são testemunhos. « Um tal abalo da consciência pode amorçar uma evolução interior que será terminada sob a acção de graça *  CEC § 1453.. »

O Caminho

Salientemos primeiro uma observação que será verdadeira para os três qualificativos que Jesus se dá e que iremos agora aprofundir: os três são introduzidos por um artigo singular definido. Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida e não: eu sou um caminho (no meio de tantos outros), uma verdade (no meio de outras verdades), uma vida (no meio de tantas outras).

Eu sou O Caminho: Mas um caminho, o que é? E para que serve?

No sentido próprio, um caminho é uma via preparada para ir dum lugar a outro, e no sentido figurado, é uma via, um meio que conduz a um objectivo. O Cristo é esta via que nos leva até à terra prometida. « Eu sou o Senhor, teu Deus, que te tirei da terra do Egipto, da casa da servidão » (Ex 20 2). Oh ! Quanto, na verdade, isto é verdade com o Cristo. Do qual Egipto não nos tira Ele para nos levar para a terra prometida, que não é a Palestina, mas o Céu! O pecado está em nós e o pecado é a corrente com a qual Satão nos guarda. O Cristo veio romper a corrente em Nome do Pai e também segundo o seu desejo. O Cristo veio para que se cumpra a promessa que não foi cumprida: « te tirei da terra do Egipto, da casa da servidão ». É com a vinda de Cristo que tem a sua realização spiritual. O Senhor nosso Deus nos tira à terra do ídolo que seduziu os Primeiros Parentes, tira-nos da escravidão da falta, reveste-nos da graça, admite-nos no seu reino. *  Segundo Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italie, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volume 2, cap. 86, p. 493.. O reino é o lugar onde estamos convidados a ficar. E o Cristo de nos dizer na véspera da sua Paixão: « Mesmo vós sabeis para onde vou, e conheceis o caminho.» Relembremos a resposta de Tomé: «Senhor nós não sabemos para onde vais. Como podemos saber o caminho? Disse-lhes Jesus: « Eu sou o caminho, e a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim. » (Jo 14 4-6).

A Verdade

Eu sou a Verdade. A questão que vem espontâneamente à Ideia é a que foi dirigida por Pilates a Jesus: « Que é a verdade? » (Jn 18 38).

Na questão de Pilates, adivinhamos uma interrogação de natureza filosófica, mas não de natureza teológica. Pilates é procurador romano. É uma pessoa culta. A verdade, para ele, deve limitar-se à confomidade do que se diz como o que é. Em si, isto não é falso, e no entanto, Jesus, utilisa muitas vezes este termo para começar uma invocação da qual deseja realçar a importância: « Em verdade, em verdade vos digo,... » Mas na boca de Jesus, o mes mo termo define sobretudo uma pessoa: « Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vi mao mundo, a fim de dar testemunhos da verdade. Toda aquele que é da verdade ouve a minha voz.» (Jn 18 37). Podemos traduzir: « só vi mao mundo para dar um testemunho a Deus. Todo aquele que é de Deus ouve a minha voz.» Sim, não é audacioso traduzir « Verdade » por « Deus » porque « Deus é Verdade ». « Deus é a Verdade mesmo, as suas palavras não podem enganar. É por isso que nos podemos entregar em toda a confiança à verdade e à fidelidade da sua palavra em tudo. O começo do pecado e da queda do homem foi uma mentira do tentador que induz em duvidar da palavra de Deus, da sua benevolência e da sua fidelidade * CEC § 215.. » O Espírito Santo, pela sua acção permanente e a sua intervenção da vida sacramental, faz-nos entrar na Verdade Divina.

A Vida

O homem chama « vida » o tempo en que, dado à luz pela sua mãe, começa a respirar, a alimentar-se, a mexer-se, a pensar, a agir, e chama « morte » o momento em que deixa de respirar, de comer, de mexer, de pensar, de trabalhar quando se torna restos mortais frios e insensíveis, pronto a entrar para um caixão. Mas esta visão das coisas não é exacta porque existe uma confusão entre “vida” e existência». Tudo o que acaba de ser enumerado diz respeito à existência. No entanto, a vida não é a existência e a existência não é a vida. A vida não começa com a existência e não termina ao mesmo tempo do que a carne. A vida de que fala Jesus Cristo não começa num seio materno. Começa quando, no Pensamento de Deus, nasce uma alma, criada por Ele, feito para habitar uma carne. *  Neste sentido, encontramos em Jr 1 4-5: A palavra de Yahvé me foi dirigida nestes termos: Antes que te formasse no ventre, te conheci; antes que saísses da madre, te sanctifiquei; às nações te dei por profeta.. Termina quando o pecado a mata. Assim a vida começa antes do nascimento. A vida, depois, nem tem fim, porque a alma não morre, ou seja não se aniquila. Morre no seu destino que é celeste mas sobrevive ao seu castigo. Morre neste feliz destino quando morre na Graça. Esta vida, atingida por uma gangrena que é a morte no seu destino, prolonga-se ao longo dos séculos na condenação e no tormento. Pelo contrário, esta vida, conservada, tal como foi criada, atinge a perfeição da vida tornado-se eterna, perfeita e feliz como o seu criador *  Segundo Centro Editoriale Valtortiano, Isola del Liri, Italie, O Evangelho como me foi revelado, Maria Valtorta, Volume 2, cap. 85, p. 486 e 487..

Compreendemos melhor agora a significação das palavras do Cristo: « Eu sou a Vida ». Sim, ele é a Vida porque está na origem com o Pai e o Espírito Santo e é também o Ser que nos permite conservá-la para a eternidade. Distinguir a vida permite-nos também compreender muitas outras palavras do Cristo em que é também questão de vida, por exemplo: « ... quem perder a sua vida, por amor de mim, achá-la-á. » (Mt 10 39) ...o que significa que todo aquele que terá perdido a sua existência por causa de mim encontrará a vida eterna.

Não podemos fechar este estudo sem nomear Santo Agostinho:

Eu sou o Caminho, a Verdade, a Vida! Cristo parece dizer-nos: "Por onde queres passar? Eu sou o caminho.

Onde queres chegar? Eu sou a verdade.

Onde queres ficar? Eu sou a vida."

O Evangelho e os evangelhos

O artigo 4 da nossa regra convida-nos a VIVER O EVANGELHO. Antes de abordar a significação da palavra « viver», façamos um pouco de semántica na palavra Evangelho. Pois, falamos de viver o Evangelho (no singular) enquanto falamos muitas vezes dos quatro evangelhos. EvangélistesNeste caso, qual dos quatro evangelhos é preciso viver? A questão faz sorrir porque adivinhamos todos a resposta a dar a esta questão. A palavra Evangelho, que significa « Boa Nova», nunca designa um texto ou um généro literário no Novo Testamento. Trata-se bem do anúncio da Boa Nova salvação para os homens trazido por Jesus Cristo e do qual é o centro. Só é no decorrer do século II que o termo chegou a designar um dos quatro textos contando a vida de Jesus na sua passagem pela terra. Não confudiremos portanto o Evangelho (com uma maiúscula) e os evanglehos dos quais iremos agora falar rapidamente.

Quatro evangelhos que levam, para os distinguir, o nome do redactor. No entanto, e apesar das suas semelhanças que podem ser muitas vezes comparadas (sobretudo os três primeiros), cada redactor dá um toque pessoal na expressão. « Mateus ouve e argumenta; Marcos vê e conta; Lucas examina e expõe; João revive e comunica *  Livraria LECOFFRE J. GABALDA e Cia Editores 1993, Sinopse dos quatro Evangelhos em Francês, Lagrange et Lavergne, p. 6. ». Paremos agora alguns instantes para aprofundir este aspecto:

Sabemos que Mateus e João são testemunhos ocumares directos dos eventos que transcrevem por escrito. Fazem, de facto, parte dos doze apóstulos. Marco, ele, é um discípulo de Pedro. O seu escrito provém portanto em parte, deste testemunho ocular assim como da catequese oral do início da Igreja, esta última apoiando-se no Evangelho de Mateus (hebreu). Lucas, discípulo de Paulo, aproveita também da tradição Joânica na qual busca muitos elementos que enriquecem consideravelmente o seu evangelho. Lucas e Mateus são os únicos a falar da infância de Jesus. Mas as narrações diferentes que dão mostram bem que buscam, um e outro, em fontes diferentes (Parece que Lucas tenha recolhido o testemunho directo da Virgem Maria). João, enfim, escreve provalvelmente chronologicamente. Quando escreve o seu evangelho, não é impossível que tenho pelo menos um das três outras narrações. EvangélistesAssim, relata muitos poucos eventos, sendo já transcritos, mas insiste no sentido da vida, dos gestos e das palavras de Jesus. Por outro lado, muito mais do que os sínopticos, integra a sua narração no âmbito da vida litúrgica judeia.

Para VIVER O EVANGELHO, dever ter conhecimentos destes evangelhos. Ora, se ouvimos em cada missa uma passagem de Evangelho, é bom reler regularmente “em contínuo”. Se isso nunca te aconteceu, sugerimos-te ler as narrações dos evangelhos na ordem seguinte: primeiro o evangelho de Marcos, depois Mateus, depois Lucas e enfim João. É muito possível que descubras narrações das quais ignoravas até agora a existência. A liturgia dominical traz, de facto, durante os três anos litúrgicos, o essencial dos textos evangélicos, mas alguns só são lidos durante a semana. É também possível que tenhas já lido os evangelhos, mas será que uma vez tudo assimilado, compreendeste tudo, para que isso te livre para sempre de relê-los ? Lembra-te do exemplo de Francisco...

Viver o Evangelho

Será que resparaste como se efectuou o apelo ouvido por Francisco ? O evento apresenta alguma coisa de comovente assim como agradável. Comovente, porque é sempre comovente ver uma alma voltar-se para Deus. Agradável, porque a maneira como isso se fez tem muito charme. Tu, que lês estas linhas, aconteceu-te muitas vezes encontraresète perante um crucifixo que te fala e que te dá uma missão a cumprir? Aconteceu a Francisco e é preciso confessar que é pouco banal. O que o é ainda menos, é que ele não percebe a significação spiritual da mensagem divina. Ele não o compreende que sob um aspecto material. « Vai, Francisco, e arranja a minha casa, que, como vês, está em ruina! » Podiamos pensar que um ser que recebe uma mensagem do céu, perfeitamente no plano auditivo, deve verdadeiramente transcender e compreender miraculosamente do que se trata! E não! Francisco vai aplicar-se durante três anos a restaurar igrejas que caiem em ruina. Nunca imaginará que a casa que cai em ruina e que ele tem de arranjar, é a Igreja com um grande « I». O instante em que ele compreende (enfim) e a maneira como isso se produz, merecem ser salientados: Francisco compreende a mensagem do crucificado de São Damião:

- Durante uma missa;

- Ouvindo o padre;

- Aquando da leitura do Evangelho do dia;

 Sim-ples-mente.

« Viver o Evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo » não é só uma passagem da nossa regra. Esta exortação é a resposta prática aos convites de Deus Pai, e de Maria Mãe de Deus, sobre as palavras e actos de Jesus Cristo:

« Escutai-o » (Mt 17 5)

Nos diz o Pai no monte Tabor. Viver o Evangelho passa primeiro pela escuta da palavra de Deus. E Maria de nos salientar

« Fazei tudo quanto ele vos disser» (Jo 2 5)

Fazer tudo o que ele diz! O « Escutai-o» do Pai entende já esta plenitude do fazer, mas como somo crianças por vezes teimosas, a ternura da nossa mãe nos precisa que não devemos nos limitar a ouvir mas também a fazer. Pois, Maria nos diz a mesma coisa do que Deus Pai, mas simplesmente duma maneira mais feminina, mesmo se utiliza também uma forma gramatical adaptada às crianças que somos: em ambos os casos, trata-se dum imperativo plural...

Passar do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho

Na Bíblia, o « conhecimento» procede não só duma diligência totalmente intelectual mas duma « experiência », duma « presência». Fortes desta precisão, compreendemos melhor a palavra do Cristo que pode parecer bem enigmático se abordada o Evangelho sob um aspecto totalmente intelectual: « E a vida eterna é esta; que te conheçam, a ti só, único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste » (Jo 17 3). A vida eterna, é portanto « experimentar Deus».

Será que reparaste que o artigo 4 da nossa regra menciona seis vezes a palavra vida. Ou seja a prioridade que Francisco dá à vida sobre a teorias. Mas cuidado em não encolher, com o risco de desformar, o que para o qual fomos convidados. Não nos podemos contentar de fazer referência aos evangelhos na sua vida. Porque não seria aí o risco de reduzir a palavra de Deus à justificação dos nossos próprios actos, das nossas próprias idéias? De passar de servidores de Deus a utilizadores dos serviços de Deus ?

François d'Assise maçon

Trata-se mais de Viver o Evangelho seguindo os exemplos de São Francisco que fez do Cristo o inspirador e o centro da sua vida com Deus e com os homens. Para Francisco, a referência final não se limita só à narração evangélica mas permanece o Cristo. O Evangelho é antes de tudo o testemunho da vida de Jesus Cristo que é «o Caminho, a Verdade, a Vida».

Emfim, terminaremos sublinhando a conjunçaão de coordinação «e» que reune os dois termos: « Passando do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho ». Após ter « ouvido», após ter « feito o que Ele disse», o irmão secular de São Francisco é convidado a cumprir uma revisão da sua vida: será que faço bem na minha vida de hoje o que o Senhor me pede ? Assim, mesmo se não está explicitamente escrito na nossa regra que somos chamados a ser santos, o método proposto deve permitir levar-nos até à santidade, a viver verdadeiramente esta definição do Cristão dada por São Paulo: ser Cristão, « e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim » (Ga 2 20).

Artigo 5.

Procurarão descobrir a pessoa viva e activa do Cristo nos seus irmãos, na Santa EScritura, na Igreja, na liturgia. Na suas vidas eucarística, serão inspirados e orientados po resta fé que fazia escrever a São Francisco: « Neste mundo, não vejo nada sensivelmente do Muito Alto Filho de Deus, senão o seu muito santo Corpo e o seu Sangue ».

Foule

Não analisaremos agora precisamente o conteúdo deste artigo. Pois, já tivemos oportunidade de o fazer no artigo 4 (Para a Santa Escritura) e teremos oportunidade de o fazer quando chegaremos ao artigo 13 (Para os irmãos), o artigo 6 (para a Igreja) e o artigo 8 (para a Eucaristia). Será que significa que o redactor da nossa regra cometeu redundâncias inúteis escrevendo várias vezes a mesma coisa em sítios diferentes? Não. Não há redundâncias inúteis. Pois, se o artigo 4 visa essencialmente a nossa própria relação com Deus, o artigo 5 destina-se a orientar o nosso amor por Deus para os outros, mas duma maneira particular: procurando descobrir a pessoa viva e activa do Cristo nos nossos irmãos, na Santa Escritura, na Igreja e na liturgia. São a lembrança potente dos dois mandamentos do Amor: Ama o teu Deis e Ama o teu Próximo. É sempre útil relembrar. De momento, limitaremo-nos, com um exemplo, a explicitar a pesquisa da pessoa viva e activa do Cristo no irmão assim como as suas consequências na vida.

Dado que todos filhos dum mesmo Pai, somos todos irmãos. Acabamos a análise do artigo anterior pela linda definição do Cristão dada por São Paulo. Retomamos agora esta definição, mas completando-a: « Se o próximo é Filho de Deus, é que o Cristo vive também nele ». O artigo 5 convida-nos a procurar a pessoa viva e activa do Cristo no próximo. Por exemplo, para aqueles que são casados, o primeiro próximo é o seu próprio cônjuge. Uma idéia bastante espandida proclama que o dia do casamento representa forçosamente o topo da felicidade que pode existir na vida de casal, e que depois deste lindo dia, (que não pode ser minimisado), o amor só pode diminuir, ou mesmo endurecida ao longo do tempo. É uma coisa bem triste que de dar fé a uma tal coisa. Não devemos antes procurar no cônjugen após dois, cinco, dez, ou quarenta anos de vida em comum, a pessoa viva e activa do Cristo no outro? Descobriremos então que o Amor se exprime com força nas coisas mais simples, nas que são certamente as menos visíveis aos olhos do mundo. Quando olhamos dessa maniera para o nosso próximo, o mundo transforma-se e o Amor, em vez de endurecer, continua de crer. Já viste um carvalho crescer? O jovem rebento, com as folhas verdes durante os seus primeiros anos, precisa de muitos cuidados. Torna-se muitas vezes necessário podar as silvas que estão à sua volta e que, puxando mais depressa, riscam de o abafar. A planta, pois, permanece frágil na sua comovente beleza. Depois, os anos passam. Sem que faça muito barulho, sem nos apercebermos, a planta cresce e ganha forma. O arbusto torna-se árvore. O verde tenro deixa o lugar ao verde forte. Nesse momento, as silvas não podem nada contra ele, tanto o seu tronco eleva a ramada. Cada ano, a árvore dá frutos. Cada ano, a árvore abriga os pássaros do céu que vem encontrar là um abrigo. Esta árvore conheceu portanto, como todas as árvores, chuvas, trovoadas, e por vezes tempestades, mas o olhar no outro lhe permitiu crescer com beleza, majestade, a longevidade, alegria e felicidade. Sim a felicidade!

« Alegre-se o coração daqueles que buscam ao Senhor» (Ps 105 3). Se o homem, pode esquecer ou recusar Deus, Deus, Ele não deixa de chamar qualquer homem a Procurá-lo para que ele viva e encontre a felicidade. Mas esta busca exige do homem qualquer esforço da sua inteligência, a rectitude da sua vontade, « um coração direito », e também o testemunho dos outros que lhe ensinam a buscar Deus *  CEC § 30..

Arbre

PERGUNTAS

Será que percebi tudo?

  1. Será que sou capaz de mencionar o esquema que segue constantemente Satão para nos tentar e quais meios, Jesus, pelo seu exemplo, nos dá para resistir às tentações do malino?
  2. Após ter arranjado três capelas, Francisco, durante uma missa, ouve o Evangelho do envio dos apóstulos para a missão. Quais são os três elementos que se destacam deste texto e que irão constituir os elementos fundadores da espriritualidade franciscana?
  3. Qual é a Regra e a vida dos laicos franciscanos?

Para aprofundir

  1. No início da missa, o padre e os fiéis dizem juntos o Confiteor. Na segunda parte deste, todos suplicam algumas pessoas « que rogueis por mim a Deus». Será que sou capaz de enumerar essas pessoas que eu invoco e a quem peço para interceder em meu favor? E porque invocar particularmente essas pessoas?
  2. Francisco foi vivamente intimado por uma passagem do Evangelho. Esta passagem mudou completamente a sua vida. Será que eu, também ouvi ou li uma ou várias frase(s) de Evangelho que me tocaram e que influenciaram a minha maneira de ver e de agir?
  3. « Passar do Evangelho à vida e da vida ao Evangelho ». Quais condições práticas me parecem ser necessárias para que se inicie em mim, e na minha fraternidade este movimento de balança que deveria tornar-se um reflexo num franciscano ou numa franciscana?
Evangile
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Realizado por www.pbdi.fr Ilustrado por Laurent Bidot Tradução : Nathalie Tomaz